A Teoria do Estado em Marx-Engels e no Marxismo

A Teoria do Estado em Marx-Engels e no Marxismo
Luiz Antonio Sypriano*

    A teoria do Estado, aqui tratada a partir do Marxismo, se fundamenta nas seguintes obras de Engels A Origem da Família, da Propriedade e do Estado; a de Marx, que estão dispersas em várias de suas obras e artigos, como a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e n'O Capital; e as de ambos, encontrada no Manifesto Comunista , que nos traz a ideia de que “o Estado é o comitê executivo da burguesia”, de 1848, entre outras.   
    Por conseguinte, na construção da Teoria de Marx-Engels, estes pensadores partem de uma dupla crítica: de um lado, a do Idealismo de Hegel (filósofo alemão, com quem Marx tem um profundo diálogo e leituras críticas com as obras dele), que afirma que no Estado - sociedade pública - encontra-se a síntese das contradições, que foram estabelecidas na sociedade civil (burguesa), principalmente no plano da consciência; e, por outro lado, aos dos pensadores liberais contratualistas, como John Locke, na sua teoria contratualista, quando afirma que o Estado surge como um livre acordo entre seus indivíduos, como entidade superior, a fim de lhes garantir os direitos fundamentais - naturais - para todos, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade privada.
    Marx-Engels, ao contrários desses pensadores, defendem que o Estado é uma entidade que é parte da luta de classes, como resultado da afirmação das contradições da sociedade burguesa capitalista, sendo o produto do antagonismo das classe burguesa frente à classe produtora, criado para melhor subjugá-las e explorá-las.
    Portanto, o Estado para Marx-Engels é um instrumento da classe burguesa, no capitalismo, e da sua ideologia liberal, para estabelecer a sua ordem social. Estes autores afirmam, ainda, que o Estado tem uma História longa - surgiu há cerca de 10 a 12 mil anos - para administrar o excedente econômico, ou seja, quando os indivíduos humanos passam a produzir mais do que aquilo que imediatamente são necessários para a sua reprodução vital e, por isso, separam-se em grupos (estabelecendo o conflito de interesses): aqueles que trabalham diretamente na produção e os que administram o excedente da produção e, portanto, se beneficiam dela particularmente. E é dessa organização da sociedade que surge o Estado, para gerenciar essas relações sociais antagônicas, em favor da classe dominante, de cada uma dessas época das sociedades humana.
    Pois bem, com o surgimento do Estado, constituem-se subsequentes outros agregados, como a Política (instrumento de dominação de classe), além da Religião, como o domínio do homem (patriarcado) sobre a mulher. Porque a religiosidade precedente era predominantemente feminina, aliada à reprodução e a fertilidade, enquanto seus deuses eram terrestres; quando se transforma, pelo Estado - da sua origem feminina -, por conseguinte as divindades vão para outras dimensões (por exemplo, céu, paraísos), afastam-se dos humanos.
    Isso tudo arma um processo muito forte de dominação, persistente, que se difunde a partir do Oriente Médio, para o mundo todo, com formas diferentes e culturalmente adaptativos à cada povo, como o judaísmo, o islamismo, cristianismo etc.
   Mas, a questão que se coloca são essas: por que o Estado existe?; e, para que e a quem serve? A resposta é muito simples: para preservar os interesses das classes dominantes em cada modo de produção e formação social.
    Agora, mais uma outra questão se faz necessário também fazê-la: como se processa essa dominação do Estado? A resposta é: pela Força. Isso porque as instituições do Estado são todas repressivas, quais sejam: o exército, para a defesa do território mas, igualmente, pode ser usado para a repressão interna de seu povo; a polícia, igualmente ao do exército; o poder judiciário - quando é utilizado como elemento punitivo de seu povo. Mas, também, as instituições de administração, que são direcionadas para os interesses das classes dominantes, como a construção de uma estrada, de uma ferrovia etc., havendo aí seu interesse de classe.
    Desta forma, torna-se claro que o Estado possui dois aspectos: de uma lado o elemento repressivo - para controlar qualquer tipo de contestação - e, de outro, o administrativo - que visa reproduzir a ordem social, tendo-a como a melhor possível.
    Com isso se configura toda uma visão de mundo que penetra por todos os poros da vida dos indivíduos em sociedade, e que é reproduzido, igualmente, nas relações familiares, profissionais etc.; para que os indivíduos incorporem-na - naturalizando-as - como se fossem a melhor das sociedades; assim como se constitui na visão filosófica, de ciência, de religião etc., abarcando todo um complexo ideológico que se conforma para colocar os indivíduos - em sua vida social - e os grupos sociais, dentro de uma redoma, na qual eles imaginam viverem no melhor dos mundos, em perfeita conformidade com a ordem estabelecida.
    Portanto, o que Marx seguiu, para a construção de sua teoria, era o possível de se saber na sua época - a de que o conhecimento possibilitava apreender esses fenômenos -, qual seja, a de que a sequência da História, do mundo clássico, ia do mediterrâneo para o feudalismo e, por sua vez, para o capitalismo.
 Assim sendo, Pode afirmar que a cada uma dessas formações sociais, serão gerados Estados com suas características particulares. Como, por exemplo, a de base escravista se tem um Estado escravista.
    Porém, autores como Maquiavel e Hegel, por exemplo, afirmam que no feudalismo não há Estado, por ser uma anarquia, posto que o poder está disperso entre a nobreza, monarquia e a igreja católica - classes dominantes. Mas, não se trata disto; pelo contrário, há sim um determinado Estado. O problema é que o poder não se diferencia da vida religiosa (Igreja), mesmo quando há uma fragmentação deste poder entre os demais estamentos ou ordens dominantes dos reis e das nobrezas. Assim, pelo fato de o poder estar fragmentado, não se poderia identificar o Estado. Entretanto, ele está presente, em uma ou outra forma, no Estado.
    Mas, o que se denomina de Estado Moderno somente irá surgir a partir do século XVI - quando se passava a valorizar a centralização do poder - mais ainda, para se unificar as fronteiras (dispersas no feudalismo), que se fazem necessário a constituição de Estados nacionais pela Europa, onde o poder se organiza, de forma centralizada, em cada uma dessas regiões. Em um primeiro momento, o Estado irá ter apenas a função defensiva de seu território, frente às crises sociais avassaladora do feudalismo, - cuja característica marcante era a barbárie (no que esse regime se enfraquecia enquanto modo de produção). Por isso, o Estado surge como uma forma de recomposição do poder central, que acaba coincidindo com a expansão mercantil e colonial europeia. O fato é que o contexto da Europa foi ser militarmente muito mais forte, acumulando forças bélicas devido às guerras constantes que ocorriam entre seus feudos e nobrezas, assim como as religiosas, nas cruzadas etc., e que se expande ao colonialismo na Ásia, África (e a escravidão) e América (principalmente a Latina).
    Pois é nesse período de expansão colonial europeia que ocorre a acumulação originária do capital; quando vai lhes dar a força material para a forma do modo de produção capitalista - porque parte-se do pressuposto de que só pode existir o capitalismo quando se tem capital acumulado.
    Por conseguinte, o surgimento do capitalismo, propriamente dito, se dará a partir da indústria (revolução industrial), que é quando acontece a extração do mais-valor, em que se acumula capital a partir do processo produtivo; quando antes não existia, porque a acumulação era pela via da circulação de bens, ao se saquear e roubar, extorquir e matar povos e Nações, com as guerras e terrorismo..
    Enquanto no capitalismo propriamente dito, se dá a origem a uma determinada forma de de Estado, que é burguês capitalista - denominado ideologicamente de Estado Liberal -, aquele que melhor organiza a sociedade para o processo de acumulação do capital.
    Posto que esse Estado tem por característica a divisão dos poderes, quais sejam: Legislativo, Judiciário e Executivo, face à necessidade burocrática de melhor organização da exploração; sendo que, para manter essa normalidade no Estado burguês, têm-se eleições em tempos em tempos, quando se elege os representantes políticos que irão reproduzir a ordem social, como se fossem assim os seus administradores, os tais dos homens públicos.
   Todavia, a forma Parlamentar é a mais avançada das suas instituições; enquanto a Presidencialista é uma variante da Monarquia - temporária -, como a que existe até hoje na Monarquia Constitucional, sendo o tipo de Estado que passa a prevalecer na Europa, como forma Monárquica, a partir do século XIX.
    Ao contrário da Europa, nos EUA se institui o Estado da República, que foi copiado mimeticamente pelos Estados que surgiam na América Latina.
    Porém, na América Latina, não se constituem em estados burgueses, visto que não existia um capitalismo com uma classe burguesa nacional nos estados emergentes; isto porque a classe dominante eram grupos oligárquicos, que administravam seus poderes apenas no formato de um Estado liberal -, porém, dependente do imperialismo europeu. Por conseguinte, sem que houvesse uma classe burguesa com sua base de sustentação, a sua dependência às ordens imperialistas se tornam hegemônicas - até hoje existente.
   Para entender melhor as determinações do Estado, será apresentado um exemplo de uma de suas instituições, como é o caso da Educação Pública. Quando, em grande parte da História, foi deixada à cargo e supervisão das instituições religiosas; que, paulatinamente, o Estado foi se apropriando dela, no capitalismo. Isto porque a ideia de Educação - que é a de reproduzir socialmente a visão de mundo da burguesia - como a de liberdade, um indivíduo cidadão livre para participar no mercado, ou, se qualificar profissionalmente, para que possa livremente vender a sua força de trabalho -, competindo no mercado de emprego, para atender aos interesses da burguesia e do capital; isto porque a força de trabalho precisa ter alguma qualificação ou as máquinas das fábricas não serão produtivas.
     Entretanto, não é possível para a burguesia fazer o controle social plenamente, como gostariam. Isto porque as suas contradições, existentes na ordem social burguesa capitalista, não permitem a contínua manutenção dela, pelo fato de que sua natureza é antagônica, quando se constituíram grupos sociais maiores ou menores, menos ou mais organizados, que contestam esta ordem social; contra eles é que se reforça e atua a repressão do Estado burguês, ao emergirem as revoltas populares, nas lutas de classes.
    Então, o que se percebe é que o Estado não é público - porque atende apenas aos interesses privados da burguesia.
    Diante disso, a reprodução dessa ordem social é fornecida pelo Direito, nas suas duas dimensões: um Direito Privado, do estado civil - que regulamenta as relações entre os indivíduos, com seus interesses privados burguês - e um outro, o Direito Público, do Estado - como se fosse o direito coletivo. Sabemos que não é justo socialmente esse Estatuto do Direito; porque o Direito Público é o Direito Político, que se estabelece na dominação política, por meio da Lei (que significa obrigar) e da Ordem Social.
    Por conseguinte, em momentos de crises, não somente de acumulação do capital mas, também, da própria burguesia - porque ela própria vive suas contradições internas - é que se faz a necessidade do Estado intervir: quando apareça como se fosse acima dos interesses das classes sociais. Neste caso é quando surge a variante bonapartista de Estado, no sentido de iludir e convencer a massa de uma ordem nacional coletiva.
    Porém, se tudo é História e o Estado surgiu na História, supõem-se que o Estado também irá desaparecer na História. Mas, somente desaparece num processo histórico de desaparecimento do capitalismo. Entretanto, isto não se faz em um prazo curtíssimo de tempo; por conseguinte, será um tempo razoavelmente longo, porque tem que desaparecer o capital, o mercado e o Estado - elementos esses que estão imbrincados entre si.
    Se o Estado está em um processo de desaparecimento, então, como fazê-lo?
  Para isto será preciso assumir o poder pela classe dominada que, paradoxalmente, terá como objetivo o de extingui-lo, assim também como o poder da classe dominante. Esta Revolução deve ser protagonizada por um grupo social, ou, um Partido Político, que se dediquem a um Programa Revolucionário: o de fazer desaparecer essa relação social antagônica de classe dominante, que é uma relação reforçada e reproduzida pelo seu Estado.
    Como se disse anteriormente, trata-se de um processo histórico, que poderá sê-lo muito longo, essa Revolução contra o Estado capitalista. Por não se trata de uma decisão subjetiva ou um ato de vontade particular, é que deve ser guiado racionalmente pelo homens e mulheres em organizações coletivas, por um Partido Político ou uma outra organização social, representativa da classe trabalhadora, para essa luta revolucionária.
    É nesta luta de classes quando se estará construindo radicalmente uma nova concepção de mundo e de sociedade. Daí que é preciso conceber a humanidade como uma comunidade, que emergiu da Natureza - que está em um outro patamar de vida -, e que vai ser composta por milhões de indivíduos verdadeiramente livres e igualmente livres. Não mais o princípio burguês de "liberdade"; mas, em que os indivíduos humanos sejam realmente livres.
    Porém, muitos entendem que isso será inviável a sua consecução, como o é o difícil desaparecimento da Política. Claro que isso é uma discussão polarizada;  mas que, antes de tudo, precisamos entender o que se pressupõe em Política e de Estado. Pois, se os entendermos como formas de dominação de uma parte da humanidade sobre a outra maioria dela, esses elementos da formação social têm que desaparecer. Por outro lado, se a Política é uma discussão para a tomada de decisões coletivas, ela é de fundamental importância para qualquer uma das sociedades futura. Então, será preciso mensurar muito bem sobre esses termos, que deverão ser empregados devidamente, para que se possa segui-los ou destituí-los por completo, caso não caibam nas relações sociais verdadeiramente humanas.
    Isto posto, em uma concepção de História radical como a que Marx a entende, qual seja, a de que o Estado e a Política surgiram em um determinado tempo histórico; e, se assim o foi, eles podem desaparecer igualmente, ou, simplesmente serem substituídos por outra forma plenamente humana. Mas, essa possibilidade dependerá do que estamos construindo ou do que estamos fazendo para a construção de uma outra formação social, no caso, a do Estado Socialista (transição) ou, mais humana ainda, da Comunista.

NOTAS
*Professor de Filosofia, Pesquisas em Filosofia e Educação, com Pós-Graduações.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ROI, Marcos Del. A destruição do Estado. Youtube : TV Boitempo. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=xjgViPbxkPk&list=WL&index=26>; Acesso em <15/10/2023>.

Comentários

  1. Ótimo ponto de vista! Expresso aqui minha ponderação a partir do texto redigido acima:

    A apropriação dos meios de produção, somados à exploração do proletariado originou-se a séculos. A obtenção do lucro em demasia e a desvalorização da mão-de-obra faz-nos refletir acerca dos danos causados à nossa arqueologia histórica. A Burguesia, proveniente da classe dominate, surgiu com o propósito de inviabilizar o trabalhador assalariado e, além disso, pôr fim às boas práticas de igualdade. A Luta de Classes, obra de autoria do eminente sociólogo Karl Marx, questiona os principais instrumentos desta violenta e obsoleta forma de dominar e alienar os seres. Segundo Marx, "a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes". Para subverter tal situação, é necessário que haja a união dos povos alienados/explorados, a fim de que a teoria socialista possa ser consolidada integralmente, seguindo o seguinte excerto: "Proletários de todos os países, uni-vos!" Deve-se manifestar a favor da teoria citada, com o intuito de instituir uma ruptura com o estado imperialista exercido por poderes e regimes neoliberais, cujo propósito é o desaparecimento e a desigualdade. A dominação provocada pelos "estados modernos" advém da antiga prática do 'Mercantilismo', que instituiu a obtenção da matéria-prima em nações subdesenvolvidas e o súbito desaparecimento de culturas e tradições. As premissas de Marx e Engels traz-nos um legado de estabilidade e prosperidade socialista para o povo brasileiro e para o mundo.


    RIAN GABRIEL

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