Religião, Teologia do Domínio e Extrema-Direita: Mecanismos de Dominação Política, Econômica e Cultural no Capitalismo Contemporâneo


Religião, Teologia do Domínio e Extrema-Direita:

Mecanismos de Dominação Política, Econômica e Cultural no Capitalismo Contemporâneo


*Luiz Antonio Sypriano


Resumo

Este artigo analisa a instrumentalização da religião pela extrema-direita, com ênfase na Teologia do Domínio, como mecanismo de dominação das massas no capitalismo contemporâneo. Argumenta-se que projetos político-religiosos articulam interesses do imperialismo, do capital nacional e internacional e de setores do crime organizado, utilizando-se das instituições religiosas como plataformas de acumulação econômica, legalização de práticas ilícitas e controle psicossocial. A pesquisa se baseia em referenciais da teoria crítica, em estudos de Sociologia da Religião e investigações recentes sobre o fundamentalismo, sectarização e financeirização da fé. Conclui-se que a religião, de caráter fundamentalista, opera como aparelho ideológico e econômico, reforçando estruturas de exploração e, ao mesmo tempo, consolidando uma base político-cultural pela extrema-direita.


Palavras-chave: religião; extrema-direita; teologia do domínio; capitalismo; sectarização; crime organizado.


Introdução


Nas últimas décadas, diversos países observaram a ascensão de movimentos religiosos fundamentalistas articulados à extrema-direita, especialmente no âmbito do cristianismo neopentecostal. Tais movimentos utilizam a religião não apenas como elemento simbólico, mas como instrumento de dominação política, cultural e econômica, integrando-se a projetos políticos ultraconservadores e neoliberais.

Segundo Marx (2013), a religião pode funcionar como “expressão da miséria real e protesto contra a miséria real”, mas também como mecanismo de legitimação das estruturas de dominação. No capitalismo contemporâneo — caracterizado por financeirização, neoliberalismo autoritário e expansão do imperialismo cultural — o fundamentalismo religioso torna-se parte de um bloco histórico reacionário, articulado à classe dominante econômica e, ao mesmo tempo, de setores do crime organizado.

Este artigo discute tais processos, com ênfase na Teologia do Domínio, nas contradições ético-religiosas, no interesse econômico dos agentes religiosos e políticos e na transformação de igrejas em instituições de lavagem de capitais ilícitos.


Religião, Capitalismo e Dominação: bases teóricas


A relação entre religião e dominação política tem sido amplamente estudada pela sociologia crítica. Weber (2004) analisou o papel da ética religiosa na legitimação do capitalismo; Althusser (1985) indicou as igrejas como aparelhos ideológicos do Estado; Gramsci (2001) destacou a função da religião na formação de hegemonia da classe dominante.

E, no capitalismo neoliberal contemporâneo, a religião assume novas funções, como:

  1. despolitização das massas;

  2. legitimação de desigualdades;

  3. consolidação de moralismo autoritário;

  4. articulação a interesses econômicos transnacionais;

  5. produção de identidade política permanente.

Segundo Harvey (2011), em relação às crises do capital, os discursos moralistas e autoritários emergem para reorganizar subjetividades e manter a ordem social. É o que se aponta que a extrema-direita religiosa insere-se nesse contexto, oferecendo uma “salvação política” baseada em obediência, hierarquia e submissão para a massa alienada.


Teologia do Domínio: projeto político-religioso da extrema-direita


A Teologia do Domínio (Dominion Theology) e movimentos como a New Apostolic Reformation propõem que os cristãos devem ocupar todas as “esferas da sociedade”, tais como governo, educação, mídia, família e economia (Wagner, 2010); afirma que trata-se de uma doutrina de matriz norte-americana, articulada a think tanks conservadores e projetos imperialistas.

Além disso, esta teologia converte a fé em programa de poder, estruturado sobre:

  • liderança carismática autoritária;

  • demonização da política progressista;

  • culto ao líder religioso-político;

  • guerra espiritual contra minorias;

  • obediência irrestrita às figuras apostólicas.

Por conseguinte, este arcabouço ideológico permite que a religião seja convertida em máquina de controle sociopolítico, consolidando a hegemonia da extrema-direita.


Interesses Econômicos e Corrupção Estrutural no Campo Religioso


Ao contrário da imagem de pureza e moralidade propagada por seus próprios líderes, muitos desses grupos religiosos atuam como empresas da fé e como agentes políticos envolvidos em práticas ilícitas.


Acumulação interna: a fé como empresa

Para estabelecer esse projeto de poder religioso, o modelo neopentecostal organiza-se como estrutura corporativa que reúne:

  • cobrança sistemática de dízimos e “ofertas de sacrifício”;

  • venda de bens simbólicos (óleos, livros, cursos, eventos);

  • criação de complexos midiáticos (rádios, TVs, redes digitais);

  • constituição de redes empresariais internas.

Já demonstrado por Pierucci (1999), ao mostrar que parte do pentecostalismo brasileiro se converteu em “religião de mercado”, orientada pela lógica de consumo e acumulação.


Acumulação externa: alianças com o capital e o imperialismo

Enquanto as igrejas tornam-se atores econômicos associados:

  • ao agronegócio;

  • ao mercado imobiliário;

  • a bancos e fundos de investimento;

  • a grupos empresariais conservadores;

  • a fundações estrangeiras ligadas à direita internacional.

Essas alianças sustentam campanhas políticas, emissoras de mídia e redes de desinformação, reforçando o vínculo entre capital e teologia.


Corrupção e contradição ética

Porém, diversos escândalos demonstram o envolvimento de líderes religiosos em:

  • desvio de recursos;

  • compra de votos;

  • negociações ilícitas com parlamentares;

  • enriquecimento incompatível com rendimentos declarados;

  • tráfico de influência estatal.

A contradição ética é evidente: enquanto pregam a moralidade, utilizam-se da fé para legitimar práticas que violam princípios religiosos universais. Por conseguinte, Weber (2004) denomina esse processo de "desencantamento invertido", em que a racionalização econômica destrói o ethos religioso original.


Iglesias-seitas: mecanismos de manipulação e alienação


O fundamentalismo neoliberal produz um tipo particular de instituição: a igreja-seita, que opera como ambiente fechado, hierárquico e emocionalmente dependente.

Essas instituições utilizam mecanismos como:

  • demonização do questionamento (“tocar no ungido é tocar em Deus”);

  • isolamento cognitivo (mídia própria, linguagem própria, inimigos externos);

  • obediência absoluta ao líder;

  • culto à prosperidade;

  • moralidade invertida (o pecado do líder vira “provação”).

Analisando esse fenômeno religioso na sociedade, Marx (2013) já indicava que a alienação religiosa opera como consciência invertida da realidade; enquanto Gramsci (2001) mostra que tais instituições produzem senso comum conservador e desmobilizador.


Igrejas como Instrumentos de Lavagem de Dinheiro do Crime Organizado


Um aspecto essencial desse movimento religioso-político é que templos religiosos tornaram-se plataformas privilegiadas de lavagem de capitais, devido à:

  1. imunidade tributária;

  2. baixa fiscalização;

  3. intensa circulação de dinheiro em espécie;

  4. possibilidade de “doações anônimas”;

  5. facilidade de abertura e fechamento de templos;

  6. redes territoriais em áreas controladas por milícias.

Fatos esses que são mostrados em estudos recentes sobre crime organizado (Manso, 2020), quando milícias e facções utilizam templos para:

  • mesclar recursos ilícitos com dízimos;

  • criar empresas de fachada;

  • adquirir imóveis;

  • financiar campanhas políticas;

  • legitimar moralmente práticas criminosas.

Com isso, a igreja-seita torna-se, assim, engrenagem do capitalismo criminoso, articulada ao Estado e à extrema-direita.


Conclusão


A análise demonstra que a religião, sob forma fundamentalista e neoliberal, converteu-se em aparelho de dominação integral, articulando:

  • interesses do capital nacional e internacional;

  • projetos imperialistas;

  • moralismo autoritário;

  • sectarização e manipulação das massas;

  • lavagem de dinheiro e corrupção sistêmica;

  • captura de aparelhos estatais;

  • produção de subjetividades ultraconservadoras.

Por conseguinte, a Teologia do Domínio fornece a justificativa ideológica para a captura da política, da educação, da cultura e da moral pública, enquanto o crime organizado e o capital financeiro viabilizam sua sustentação material.

Dessa forma, o avanço da extrema-direita religiosa representa não somente um fenômeno moral ou cultural, mas um projeto político-econômico de reconfiguração do Estado e da sociedade, fundamentado na fusão de fé, mercado e autoritarismo.


Referência Bibliográfica


ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2011.

MANSO, Bruno Paes. A República das Milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.

MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2013.

PIERUCCI, Antônio Flávio. “Religião como Mercadoria”. In: Folha de S.Paulo. São Paulo, 1999.

WAGNER, C. Peter. Dominion!: How Kingdom Action Can Change the World. Grand Rapids: Chosen Books, 2010.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2004.


*(Professor de Filosofia da Rede Pública Estadual - Pr)

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