*Luiz Antonio Sypriano
Resumo:
O presente artigo analisa criticamente o programa “Se Liga! É Tempo de Aprender Mais!”, implementado pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR), do governo do estado Ratinho Jr., no contexto de uma política educacional marcada por centralização curricular, expansão de avaliações padronizadas e intensificação do trabalho docente, além de programas de privatização e militarização das Escolas. A partir de referenciais teórico-críticos, argumenta-se que o programa constitui apenas uma política de gestão por resultados, incapaz de enfrentar os determinantes estruturais da desigualdade educacional, ao mesmo tempo em que aprofunda a precarização das condições escolares e a desvalorização dos docentes.
Palavras-chave: Educação Pública. Política Educacional. Avaliação. Trabalho Docente.
Introdução
O Programa “Se Liga! É Tempo de Aprender Mais!”, elaborado pela SEED-PR, do governo Ratinho Jr, tem como estratégia a intensificação da aprendizagem e a correção de defasagens educacionais, para estudantes do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio. Entretanto, a sua implementação ocorre em um cenário de profundas contradições na educação pública paranaense, marcada por precarização das escolas, insuficiência de pessoal, sobrecarga de trabalho docente e ausência de políticas estruturais de valorização, tanto da Educação como de seus trabalhadores.
Portanto, sob a ótica da Teoria e do Pensamento Crítico, analisa-se que essas políticas, focalizadas e imediatistas como o Se Liga!, não atacam as raízes da desigualdade educacional - que está vinculada às precárias condições materiais de vida da classe trabalhadora e ao subfinanciamento crônico da escola pública (SAVIANI, 2011) -, tendem a reforçar ainda mais os mecanismos de responsabilização e controle sobre professores e estudantes, alinhando a gestão escolar aos imperativos do Estado neoliberal, cujos interesses focam no atendimento ao capital rentista.
O Programa “Se Liga!” e a Lógica da Gestão por Resultados
A SEED-PR criou o Se Liga! como uma ação de reforço pedagógico, e estratégia para “melhoria do desempenho escolar”, medido por avaliações internas e externas. Em documentos e divulgações oficiais, a Secretaria afirma que o programa estaria integrado ao “ecossistema avaliativo” da rede, incluindo Prova Paraná e Prova Paraná Mais (PARANÁ, 2025).
Contudo, não há avaliação de impacto pública, independente e transparente que demonstre causalmente que o programa reduziu defasagens ou elevou indicadores como IDEB ou desempenho em avaliações estaduais. Mas, trata-se de uma política marcada pela lógica da performatividade (BALL, 2005): quando os resultados esperados são assumidos como objetivos políticos, independentemente de sua comprovação empírica.
Conforme Freitas (2018), essas políticas educacionais, orientadas por resultados, tendem a produzir efeitos colaterais, como a intensificação do trabalho docente, padronização curricular, redução da autonomia pedagógica e deslocamento do foco da formação humana para o cumprimento de metas numéricas.
A Leitura Crítica das Contradições Educacionais no Paraná
Para Marx (2011), a educação não pode ser analisada fora das condições materiais que estruturam a sociedade de classes. Assim, qualquer política educacional deve ser compreendida dentro da totalidade do modo de produção capitalista. Por exemplo, Programas como o Se Liga!, ao focalizar o indivíduo (ou a escola isolada), desconsidera a determinação social das desigualdades, que se constitui a partir do antagonismo de classes, assim como pela natureza contraditória de seu modo de produção.
Ao mesmo tempo, Saviani (2008) argumenta que reformas que não enfrentam a estrutura econômica são incapazes de garantir igualdade real de oportunidades educativas. No caso do Paraná, o Se Liga! opera sem enfrentar:
a precarização predial das escolas;
a ausência de equipes multiprofissionais;
a superlotação de turmas;
a falta de bibliotecas e laboratórios;
o adoecimento crescente de professores;
a remuneração abaixo da média nacional.
Em síntese, atua sobre efeitos (baixa aprendizagem medida por testes), mas não sobre causas (condições sociais e escolares objetivas).
As Contradições Estruturais do Programa “Se Liga!”
Intensificação docente e precarização
Vários estudos apontam que políticas de reforço intensivo, quando não acompanhadas de melhores condições de trabalho, resultam em sobrecarga docente, ampliação não remunerada de planejamento e adesão compulsória a materiais padronizados (DUARTE, 2016; FREITAS, 2018). No Paraná, relatos e pesquisas de campo indicam que o Se Liga! reproduz tais elementos.
Autonomia escolar formal, heteronomia real
Embora o discurso oficial afirme a “autonomia das escolas”, a execução do programa se dá através de roteiros prontos, planos prescritos e orientações centralizadas, reforçando o controle hierárquico sobre as práticas pedagógicas. Na afirmação de Frigotto (2015), essa contradição é típica de políticas gerencialistas que simulam descentralização, mas reforçam a lógica do comando vertical.
Correção de fluxo sem políticas estruturantes
Percebe-se que a intensificação de aulas e atividades não substitui investimento material. Confirmada pela literatura, que demonstra que aprendizagens consistentes dependem de fatores como tamanho da turma, tempo efetivo de estudo, materialidade do espaço escolar e estabilidade docente (SNYDERS, 2001; LIBÂNEO, 2012).
Foco em desempenho mensurável e estreitamento curricular
Por conseguinte, ao se priorizar Língua Portuguesa e Matemática, para elevar índices, com base em meta do IDEB, o Programa contribui para o fenômeno do estreitamento curricular (APPLE, 2012), reduzindo a formação integral e negligenciando áreas como artes, ciências humanas, educação física e formação cidadã.
Discussão: o “Se Liga!” como Instrumento de Governança Neoliberal
Pode-se afirmar que o Programa se enquadra no modelo que Gentili (1996) denomina neoliberalismo educacional: foco em “competitividade”, “ranking”, “eficiência”, “responsabilização” e fragmentação das políticas públicas, quando a escola deixa de ser espaço de emancipação humana e passa a operar como unidade produtiva de desempenho mensurável.
Sob essa lógica, políticas como o Se Liga! não são concebidas para transformar a realidade social dos estudantes, mas para administrar a “crise” da Escola Pública, produzida pelo próprio Estado que a subfinancia. Isto porque trata-se de uma racionalidade que procura “corrigir” o estudante — não as condições que o impedem de aprender.
Considerações Finais
Assim, o “Se Liga! É Tempo de Aprender Mais!” revela as contradições fundamentais da política educacional paranaense: enquanto o governo afirma buscar melhores resultados, mantém escolas sucateadas, docentes desvalorizados e ausência de investimentos estruturantes; que a epistemologia crítica vem demonstrando, que tais políticas não podem resolver a desigualdade educacional, pois esta não é uma falha técnica, mas expressão das desigualdades do modo de produção capitalista.
Assim, conclui-se que o Programa:
Não enfrenta as causas estruturais da desigualdade educacional;
Intensifica a precarização do trabalho docente;
Estreita o currículo e submete a escola à lógica dos indicadores;
Opera como instrumento ideológico do Estado neoliberal, não como política emancipadora.
Uma política verdadeiramente transformadora exigiria investimentos estruturantes, valorização docente, democratização radical da gestão e integração da escola às lutas sociais da classe trabalhadora.
Referência Bibliográfica
APPLE, Michael. Educação e poder. Porto Alegre: Artmed, 2012.
BALL, Stephen. Reformar escolas/performar professores. Currículo sem Fronteiras, v. 5, n. 2, 2005.
DUARTE, Newton. A individualidade para si. Campinas: Autores Associados, 2016.
FREITAS, Luiz Carlos de. A política educacional brasileira: ensaios críticos. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2015.
GENTILI, Pablo. Pedagogia da exclusão. Petrópolis: Vozes, 1996.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2012.
MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2011.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Programas e Ações Pedagógicas – Se Liga! Curitiba, Governo do Estado, 2025.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2008.
_______. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2011.
SNYDERS, Georges. A alegria na escola. São Paulo: Manole, 2001.
*(Professor de Filosofia da Rede Pública Estadual - Pr)
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