POEMA — A Terra que Arde sob os Nossos Pés
POEMA — A Terra que Arde sob os Nossos Pés
Luiz Antonio Sypriano
Eu vi a terra arder sob os nossos pés,
não como metáfora,
mas como ferida aberta.
Vi rios se tornarem trilhas de sal,
e o vento trazer cinzas onde antes havia o canto das árvores.
Eu vi o fogo não nascer dos relâmpagos,
mas das bolsas de valores.
Vi que a chuva não falhava:
era roubada.
A água sequestrada por cercas invisíveis,
por escritórios com carpetes limpos,
onde o ar condicionado inventa um mundo que não existe.
Eu vi o planeta ficar pequeno.
Não porque a Terra encolheu,
mas porque o lucro se fez imenso.
E vi que este monstro não tem rosto,
mas tem donos.
Ah, companheiros,
não nos enganemos:
não é o vento que devora a floresta,
é a contabilidade.
Não é a seca que expulsou o povo da terra,
foi o latifúndio.
Não é o calor que mata,
é o petróleo.
O sistema se alimenta do sol morto,
da árvore caída,
do peixe sufocado em silêncio.
Ele transforma chuva em mercadoria,
ar em contrato futuro,
floresta em colheita de lucros,
tempo em esgotamento.
Chamaram de adaptação o que é capitulação.
Chamaram de transição o que é mentira.
Querem que aceitemos a morte como clima.
Querem que aprendamos a respirar cinzas
como se fossem perfume de futuro.
Mas nós,
que nascemos do barro,
da folha que cai e se renova,
da água que insiste em seguir seu curso,
sabemos que o mundo não acabou.
Ele está sendo assassinado.
E assassinato tem mandantes.
Escuta, terra, eu te digo:
não te deixaremos morrer em silêncio.
Escuta, mar, teu sal está em nosso sangue.
Escuta, floresta, teu verde nos chama pelo nome.
Nós somos o rebanho insubmisso da vida,
que não aceita gaiola,
que não aceita a adaptação ao deserto,
que não aceita a normalidade da catástrofe.
Nós levantamos o mundo com as mãos nuas.
E o mundo nos reconhece.
Porque a luta é antiga como o primeiro sopro,
e vasta como a última estrela.
Porque o amor à terra
é uma forma profunda de justiça.
E eis que dizemos,
com a voz das águas que retornam ao leito:
Ou cai o capitalismo,
ou cai a Terra.
E nós escolhemos a Terra.
E nós escolhemos o Povo.
E nós escolhemos o Futuro que se levanta,
em punho,
como semente que rompe o asfalto.
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