ANÁLISE CRÍTICA DA EDUCAÇÃO LIBERAL E DOS SEUS CONSELHOS DE CLASSE DE FINAL DE ANO NA REDE PÚBLICA DO PARANÁ
*Luiz Antonio Sypriano
Resumo
O presente artigo analisa criticamente os Conselhos de Classe de final de ano na Rede Pública Estadual do Paraná, situando-os no contexto das políticas educacionais contemporâneas e da lógica da educação liberal. A partir do referencial teórico crítico, com destaque para as contribuições de Karl Marx, György Lukács, Dermeval Saviani e Luiz Carlos de Freitas, discute-se como tais conselhos têm sido esvaziados de sua função pedagógica e convertidos em instâncias burocráticas de legitimação da política de aprovação em massa. Argumenta-se que essa política não supera a exclusão educacional, mas a reconfigura, produzindo certificação sem aprendizagem e aprofundando a alienação do trabalho docente. Conclui-se que as contradições dos Conselhos de Classe expressam tensões estruturais entre gestão democrática e centralização burocrática, bem como entre formação humana e exigências sistêmicas por resultados.
Palavras-chave: Conselho de Classe; Aprovação em massa; Educação Liberal; Teorias Crítica; Avaliação escolar.
Introdução
Os Conselhos de Classe de final de ano ocupam, formalmente, um lugar central na organização pedagógica das escolas públicas brasileiras, sendo definidos como instâncias colegiadas responsáveis pela avaliação do processo de ensino-aprendizagem, mediado pelo desempenho dos estudantes. No entanto, na Rede Pública Estadual do Paraná, tais conselhos têm sido atravessados por profundas contradições, decorrentes da precarização da escola pública, da intensificação do controle burocrático e da subordinação da educação a indicadores quantitativos, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
Este artigo parte da hipótese de que os Conselhos de Classe não podem ser compreendidos apenas como mecanismos técnicos de avaliação, mas como mediações institucionais da lógica da educação liberal.
Nesse sentido, a política de aprovação em massa, frequentemente ratificada nos conselhos finais, expressa a adaptação da escola pública às exigências dos interesses da lógica liberal, em detrimento da socialização efetiva do conhecimento científico.
Educação Liberal e sua Determinação Social da Escola Pública
Na perspectiva da Teoria Crítica, a educação constitui uma prática social historicamente determinada pelas relações de produção. No caso de Marx, embora não tenha elaborado uma teoria pedagógica sistemática, sua crítica à sociedade capitalista permite compreender a escola como parte da superestrutura, articulada à reprodução das condições materiais de existência.
Por conseguinte, a educação liberal caracteriza-se por uma contradição fundamental: ao mesmo tempo em que necessita socializar determinados conhecimentos para a reprodução da força de trabalho, deve limitar o acesso das classes trabalhadoras ao saber científico em sua forma mais desenvolvida. Nesse contexto, a escola pública assume uma função ambígua, combinando elementos de inclusão formal com mecanismos de exclusão real.
Vistos nos Conselhos de Classe de final de ano, essas contradições inserem-se nessa lógica liberal, funcionando como momentos privilegiados de ajuste entre as exigências pedagógicas e as demandas sistêmicas de controle do fluxo escolar.
Reificação e Fetichismo da Avaliação em Lukács
Um outro teórico, como György Lukács, contribui de forma decisiva para a compreensão das práticas avaliativas na escola liberal ao desenvolver a categoria da reificação. Isso se explica porque, na sociedade regida pela mercadoria, as relações sociais assumem a forma de coisas, obscurecendo sua origem histórica e social.
Já no âmbito dos Conselhos de Classe, a reificação manifesta-se na redução do estudante a médias, percentuais e frequências, enquanto o processo concreto de aprendizagem é secundarizado. No processo da aprovação, nesse sentido, converte-se em um fetiche: aparenta sucesso educacional, mas oculta a não apropriação do conhecimento.
Isto posto, a política de aprovação em massa opera, assim, como um mecanismo ideológico que naturaliza o fracasso estrutural da escola pública, transformando estudantes em dados estatísticos aceitáveis.
Saviani e a Crítica da Negação da Função Social da Escola
A pedagogia histórico-crítica, formulada por Dermeval Saviani, oferece um referencial central para a crítica aos Conselhos de Classe finais. Para o autor, a função específica da escola é a socialização do saber sistematizado, historicamente produzido pela humanidade.
Mas, quando a escola se limita a certificar trajetórias escolares sem garantir a apropriação dos conteúdos científicos, ela abdica de sua função social; por isso a aprovação em massa representa a negação do trabalho educativo, pois dissocia certificação e conhecimento.
Já nos Conselhos de Classe, a centralidade desloca-se da análise do ensino e da aprendizagem para a preocupação com índices e metas, reforçando a subordinação da prática pedagógica à lógica administrativa.
Avaliação, Gerencialismo e Responsabilização na Crítica em Freitas
O pesquisador Luiz Carlos de Freitas analisa a avaliação educacional no contexto das políticas neoliberais, destacando seu papel como instrumento de responsabilização e controle. Aponta que, se os indicadores como o IDEB induzem às práticas pedagógicas empobrecidas, por conseguinte pressionam as escolas e docentes a adequar seus resultados às expectativas desse sistema.
Isso se materializa na Rede Pública Estadual do Paraná, quando essa pressão acontece nos Conselhos de Classe finais, onde docentes são constrangidos, psicológica e politicamente, a aprovar estudantes, independentemente do nível de aprendizagem a que chegaram. Daí, a manipulação de dados de notas e frequência se torna algo natural, como expressão de um sistema que privilegia a aparência de sucesso em detrimento da formação real.
Educação para além do Capital na Crítica em Mészáros
Já o filósofo húngaro, István Mészáros, aprofunda a crítica marxista ao demonstrar que a educação, no capitalismo, encontra-se estruturalmente subordinada à lógica da reprodução sociometabólica do capital. Para o pensador, não é possível humanizar plenamente a educação sem romper com as determinações estruturais do sistema capitalista.
Sendo essa política de aprovação em massa e o esvaziamento dos Conselhos de Classe, se expressam, nesse sentido, a uma educação para o capital, e não para além do capital. Trata-se de mecanismos que garantem a continuidade do sistema ao administrar seus efeitos destrutivos, sem enfrentar suas causas.
Por conseguinte, a escola pública passa a operar como instância de ajuste social, amortecendo conflitos e gerindo o fracasso educacional de forma administrável para a ordem do capital.
Althusser e a Crítica aos Aparelhos Ideológicos do Estado Liberal
Para o filósofo francês, Louis Althusser, que oferece uma chave interpretativa decisiva, ao compreender a escola como o principal aparelho ideológico do Estado, nas formações sociais capitalistas contemporâneas. Para isso, coloca que, diferentemente dos aparelhos repressivos, a escola atua predominantemente por meio da ideologia, a fim de interpelar os indivíduos como sujeitos.
Os Conselhos de Classe de final de ano cumprem uma função ideológica específica: legitimar institucionalmente a não aprendizagem, convertendo-a em sucesso formal. Ao ratificar a aprovação em massa, o conselho contribui para a internalização da ideia de que o fracasso escolar não é estrutural, mas individual ou circunstancial, ocultando suas determinações de classe.
Afirma ainda que a escola inculca a ideologia dominante (regras, costumes, a "cultura de massa") para um público de uma idade precoce e de forma universal, preparando os indivíduos para seus papéis na estrutura social e econômica. E esse processo de "interpelação" é como a ideologia "chama" ou "constitui" os indivíduos, transformando-os em sujeitos que aceitam livremente (ou assim pensam) seu lugar na sociedade.
Gramsci: Hegemonia, Consenso e Escola
Por outro lado, o pensador italiano, Antonio Gramsci, compreende a escola como espaço estratégico na disputa pela hegemonia. Para além da coerção, a dominação burguesa se sustenta pela produção de consenso, no qual a escola exerce papel central.
Entretanto, a aprovação em massa deve ser interpretada como um mecanismo de construção de consenso passivo, quando a população trabalhadora é levada a acreditar na ampliação do acesso e do sucesso escolar, ao ser enganada pelo conteúdo efetivo mínimo e esvaziado, implicando na formação aligeirada.
Nesse caso, os Conselhos de Classe, sob essa ótica, participam da produção desse consenso, ao conferir aparência “democrática” e “técnica” às decisões que atendem aos interesses sistêmicos, da hegemonia dominante.
Frigotto e a Crítica à Educação sob o Capitalismo Dependente
Para o pesquisador Gaudêncio Frigotto, ao analisar a educação brasileira a partir da condição do capitalismo dependente, constata que a escola assume uma função ainda mais restrita no acesso ao conhecimento científico. Isto porque a dualidade estrutural do sistema educacional aprofunda a desigualdade entre uma formação ampla para as elites e uma formação mínima para a classe trabalhadora.
Enquanto a aprovação em massa, nesse contexto, não representa inclusão, mas a consolidação de uma escolarização precária, ajustada às exigências de um mercado de trabalho, de um país periférico, dependente e subdesenvolvido.
Sobra, aos Conselhos de Classe tornarem-se, assim, instâncias de administração da desigualdade educacional.
Paro, Libâneo e a negação da Gestão Democrática
Para os pesquisadores da educação escolar, no campo da gestão, Vitor Henrique Paro e José Carlos Libâneo, vêm contribuindo para a crítica ao evidenciar que a gestão democrática da escola pública não se reduz à formalidade de instâncias colegiadas, quando ela exige condições reais de participação, autonomia e centralidade do trabalho pedagógico.
Por conseguinte, nos Conselhos de Classe finais, a centralização do poder nas direções escolares, com suas submissões às normativas do sistema educacional, esvaziam o caráter democrático do processo decisório; por isso, o conselho assume um papel meramente homologatório, negando sua potencialidade como espaço de reflexão coletiva sobre o ensino e a aprendizagem.
Trabalho Docente, Alienação e Coerção Institucional
Sob a ótica da Teoria Crítica, o trabalho docente sofre um intenso processo de alienação; quando os professores perdem o controle sobre os fins de seu trabalho, sendo subordinados a normativas externas, plataformas padronizadas e metas quantitativas.
Já o Conselho de Classe, que deveria ser um espaço de reflexão coletiva e autônoma, converte-se em instância de coerção institucional; enquanto a autonomia pedagógica é substituída por decisões previamente determinadas, cabendo ao coletivo docente apenas legitimar escolhas impostas pelo sistema educacional.
Exclusão por dentro e certificação sem aprendizagem
O que se quererá provar é que a aprovação em massa não elimina a exclusão educacional, mas a reconfigura. Ao constatar que os estudantes da classe trabalhadora, mesmo permanecendo na escola e que concluem as etapas de ensino, não dominam as habilidades básicas de leitura, escrita e pensamento abstrato.
Portanto, esse fenômeno pode ser compreendido como exclusão por dentro da escola, funcional a uma Nação periférica e dependente, que regida a partir do imperialismo capitalista, demanda força de trabalho minimamente escolarizada, porém desprovida de formação intelectual crítica.
Nesse caso, a escola pública, para esse contexto, cumpre um papel de contenção social, mais do que a de emancipação humana.
SEED-PR e a sua Política de Aprovação na Rede Estadual
No exame empírico da política educacional da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR) permite materializar, em nível concreto, as determinações teóricas discutidas anteriormente. Embora este artigo se caracterize como uma pesquisa teórico-crítica, o recorte empírico fundamenta-se tanto na análise de normativas, orientações pedagógicas, diretrizes avaliativas como nas práticas recorrentes observadas nos Conselhos de Classe finais da rede estadual.
Nas últimas décadas, a SEED-PR tem intensificado políticas de padronização curricular, controle do trabalho docente e monitoramento de resultados educacionais, alinhadas a uma lógica gerencial. Enquanto a centralidade conferida a indicadores como o IDEB e às taxas de aprovação e evasão produz efeitos diretos sobre a organização da avaliação escolar e sobre as deliberações dos Conselhos de Classe.
Mais ainda, entre os principais elementos empíricos observáveis, destacam-se: (a) a imposição de percentuais mínimos de aprovação, explícitos ou implícitos, que constrangem a autonomia das escolas; (b) a pressão institucional para a redução das reprovações, independentemente das condições objetivas de aprendizagem; (c) a naturalização da alteração de dados de frequência e notas como prática informal de adequação às metas do sistema; e, (d) a centralização das decisões finais nas equipes diretivas, frequentemente respaldadas por orientações superiores.
Por isso, o Conselho de Classe final, nesse contexto, deixa de operar como espaço de análise crítica do processo pedagógico e converte-se em instância administrativa de fechamento do ano letivo, cujo objetivo principal é assegurar a conformidade da escola às diretrizes sistêmicas da SEED-PR. Pois, a recorrência anual da aprovação em massa evidencia que as decisões não decorrem de avaliações pedagógicas singulares, mas de uma racionalidade administrativa que antecede o próprio conselho.
Do ponto de vista do trabalho docente, o recorte empírico revela um processo sistemático de coerção institucional, quando professores relatam pressões psicológicas e políticas para adequar seus registros avaliativos, sob o argumento de que reprovações elevadas comprometem a imagem da escola, a gestão e os resultados oficiais da rede. Percebe-se que tal dinâmica reforça a alienação do trabalho docente e desloca a responsabilidade pelo fracasso educacional do sistema para o indivíduo, no caso, docente.
No que se refere aos estudantes da classe trabalhadora, a política da SEED-PR contribui para a consolidação da certificação sem aprendizagem; isto porque muitos deles ingressam no Ensino Médio com graves defasagens - advindas do Ensino Fundamental I e II - e concluem essa etapa final da Educação Básica sem o devido domínio de conhecimentos elementares; situação que não é enfrentada estruturalmente, mas administrada por meio da progressão e da aprovação em massa.
Assim, o recorte empírico sobre a SEED-PR confirma a tese central deste artigo: os Conselhos de Classe finais operam como mediações institucionais da política educacional de governos liberais no Paraná, ajustando a escola pública às exigências estatísticas e ideológicas do Estado, em detrimento do direito ao conhecimento.
Considerações Finais
A análise desenvolvida, ao longo das pesquisas da Teoria Crítica e da vivência empírica, permite afirmar que os Conselhos de Classe de final de ano, na Rede Pública Estadual do Paraná, têm sido progressivamente esvaziados de seu sentido pedagógico e convertidos em instrumentos de legitimação da política de aprovação em massa. Tal processo expressa as contradições estruturais da educação liberal, marcada pela tensão entre formação humana e exigências sistêmicas de controle e resultados.
Portanto, superar essas contradições exige a ruptura com a lógica gerencial da avaliação, a restituição da autonomia docente e a reafirmação do conhecimento científico como direito social. Sem isso, os Conselhos de Classe permanecerão como simulacros de gestão democrática, a serviço da estatística e não da aprendizagem.
Referência Bibliográfica
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*(Professor de Filosofia da Rede Pública Estadual - Pr.)
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