A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA PÚBLICA NA PERSPECTIVA CRÍTICA: Entre a Reprodução Ideológica Dominante e a Emancipação Humana
Entre a Reprodução Ideológica Dominante e a Emancipação Humana
*Luiz Antonio Sypriano
Resumo:
Este artigo analisa criticamente a função social da escola pública em sociedades capitalistas, como no Brasil, contrapondo a lógica dominante — centrada na certificação, no gerencialismo e na reprodução social —, fundamentando-se no papel emancipador da Escola a partir do marxismo e da pedagogia histórico-crítica. Com base em autores como Althusser, Saviani, Frigotto, Freire e Mészáros, discute-se como a escola tem sido reduzida a aparato de distribuição de diplomas, mascaramento de resultados e simulação de processos de ensino-aprendizagem, ao mesmo tempo em que mantém potencial estratégico para a socialização do conhecimento científico como instrumento de transformação social. A análise fundamenta a defesa de uma escola pública comprometida com a crítica da realidade e com a formação de sujeitos capazes de intervir na sociedade.
Palavras-chave: Escola pública; Pedagogia crítica; Reprodução social; Emancipação humana.
Introdução
A função social da escola pública tem sido sistematicamente tensionada entre duas perspectivas: de um lado, a lógica da certificação, da aprovação automática e do gerencialismo neoliberal; de outro, a concepção crítica que compreende a escola como espaço de socialização do conhecimento científico e formação para a emancipação humana. O fenômeno contemporâneo do “fingir que ensina e fingir que aprende”, associado à flexibilização artificial de notas, faltas e avaliações, evidencia a crise de sentido da educação escolar dentro das contradições do capitalismo.
Este artigo busca compreender essa tensão a partir de referenciais marxistas, da sociologia crítica da educação e da pedagogia histórico-crítica, defendendo que a verdadeira função social da escola pública é contribuir para a formação de sujeitos capazes de analisar, compreender e transformar a realidade social.
A escola na sociedade capitalista: reprodução e ideologia
Para Louis Althusser (1985), a escola constitui o principal Aparelho Ideológico de Estado (AIE) na contemporaneidade, responsável por formar indivíduos adaptados às exigências da ordem capitalista. Assim, a escola cumpre a função de reproduzir as relações sociais de produção, naturalizando desigualdades, hierarquias e padrões de conduta.
Segundo Althusser (1985, p. 84):
A escola [...] é hoje o aparelho ideológico de Estado dominante, substituindo a Igreja no papel de inculcar a ideologia dominante.
A crítica de Althusser é retomada e atualizada por Baudelot e Establet (1971), que demonstram como a estrutura escolar duplica e legitima a divisão de classes. Para esses autores, a escola é organizada para garantir que os filhos da classe trabalhadora sejam preparados para trabalhos subalternos, enquanto as elites recebem formação voltada ao comando e às direções.
Essa leitura compreende a escola como instituição funcional à reprodução social — não por suas intenções, mas por seus efeitos estruturais.
O gerencialismo neoliberal e o esvaziamento da função educativa
No Brasil, especialmente desde a década de 1990, políticas neoliberais expandiram mecanismos de avaliação externa, metas, índices e bonificações, instaurando o que Michael Apple (2003) chama de educação para o mercado. A escola passa a operar segundo parâmetros empresariais: produtividade, desempenho e competição.
Com isso as consequências são:
redução dos conteúdos ao mínimo exigido pelas provas;
simulação de aprendizagem para atender indicadores;
alteração de notas e flexibilização de faltas;
enfraquecimento da função formativa e científica da escola;
intensificação da precarização do trabalho docente.
Contrapondo-se a essas políticas, Mészáros (2008, p. 35) vai argumentar que
A educação institucionalizada é parte integrante da reprodução ampliada das relações sociais do capital.
Nesse contexto, a escola pública torna-se cada vez mais submetida a pressões para “entregar resultados”, o que frequentemente implica mascarar problemas estruturais mediante aprovação artificial, prejudicando enormemente a qualidade da educação e o aprendizado discente.
A pedagogia histórico-crítica e a defesa da socialização do conhecimento
Em contraposição à função reprodutora, Dermeval Saviani (2008) e a pedagogia histórico-crítica defendem que a educação escolar tem o papel estratégico de promover a apropriação do conhecimento científico, filosófico e artístico acumulado historicamente.
Por isso, Saviani (2008, p. 69) afirma que
A finalidade da educação é possibilitar a todos o acesso ao conhecimento elaborado, a fim de que possam compreender e transformar a realidade social.
Autores como Newton Duarte (2016) e Gaudêncio Frigotto (2010) reforçam que a escola deve garantir o domínio das formas mais desenvolvidas da cultura humana, condição necessária para que sujeitos possam intervir criticamente nas estruturas sociais.
Assim, a escola pública, portanto, adquire uma função contrária ao senso comum neoliberal: não é espaço de adaptação ao mercado, mas de elevação cultural e formação omnilateral.
A crítica freireana: educação como prática de liberdade
Paulo Freire (1989, p. 11), em Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Esperança, reafirma que a escola deve formar sujeitos capazes de ler criticamente o mundo:
A leitura do mundo precede a leitura da palavra.
Confirma-se que a educação é prática política, e a alfabetização científica é também a alfabetização para a transformação. Assim, a função social da escola é combater a naturalização da desigualdade, não reproduzi-la.
Síntese Crítica: entre o simulacro e a transformação
A prática recorrente de manipulação de faltas, alteração de notas e flexibilização artificial de critérios evidencia a precarização estrutural da escola pública, quando submetida ao gerencialismo, e que tais práticas desviam a instituição de sua função social e reforçam desigualdades estruturalmente constituídas.
A alternativa crítica — marxista, freireana e histórico-crítica — aponta que a escola deve comprometer-se com:
Socialização crítica do conhecimento científico;
Formação intelectual rigorosa e humanizadora;
Superação do analfabetismo científico e político;
Desenvolvimento das capacidades superiores do pensamento;
Preparação para a intervenção consciente na realidade.
Considerações Finais
O debate sobre a função social da escola pública se insere na luta mais ampla pela democratização radical da educação e pelo enfrentamento das desigualdades que estruturam a sociedade brasileira. Contra o modelo que reduz a escola à certificação e à reprodução de índices, é necessário reafirmar sua função emancipadora: garantir a todos o acesso aos saberes historicamente produzidos e potencializar a capacidade humana de transformar o mundo.
A escola pública somente cumpre seu papel social quando contribui para formar sujeitos críticos, conscientes e participantes de um projeto de sociedade mais justa, igualitária e democrática.
Referência Bibliográfica
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado: notas para uma investigação. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
APPLE, Michael. Educando a direita: mercados, padrões, Deus e desigualdade. São Paulo: Cortez, 2003.
BAUDELOT, Christian; ESTABLET, Roger. A escola capitalista em França. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
DUARTE, Newton. A individualidade para-si: contribuição a uma teoria histórico-crítica da formação do indivíduo. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2016.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 41. ed. Campinas: Autores Associados, 2008.
*(Professor de Filosofia da Rede Estadual do Paraná)
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