Disputas da Consciência entre a Ideologia e a Teoria Científica de Marx-Engels
Disputas da Consciência entre a Ideologia e a Teoria Científica de Marx-Engels
Luiz Antonio Sypriano*
Nos tempos atuais, de crises cíclicas profundas do capitalismo hegemônico - por isso marcado pela radicalização da sua dominação -, em um espectros global (Mercado Imperialista Rentista), a partir da divisão internacional do trabalho, que leva à dominação sobre os Estados (economia e política), causando efeitos destrutivos para a humanidade e o planeta. É o que faz surgir com mais força o instrumento da ideologia.
Por isso, a importância da compreensão da ideologia e seus aparelhos que a propagam, como o Estado, a mídia, a religião, a educação escolar e demais instituições, cuja função é a da preservação da ordem dominante capitalista, ditando-a como natural e perene.
"Nesse sentido, vemo-nos diante da necessidade de compreender o modo como a sociedade do capital se justifica por meio de uma representação ideal distorcida que opera na subjetividade, conformando os seres sociais à sua dinâmica de funcionamento." (Baldi, 2019).
Diante disso, é "o que nos remete à categoria da ideologia, que será abordada, no presente artigo, por meio do exame das formulações de Marx (...), tendo em vista que, neste marco teórico e político, a ideologia é tratada pelo prisma do materialismo histórico e dialético em sua relação com a realidade social objetiva." (Baldi, 2019).
Neste sentido, "a formulação dessa categoria no pensamento de Marx se perfaz no constructo de sua obra, da juventude à maturidade, tendo como fundamentos os fenômenos da alienação e do fetichismo da mercadoria." (Baldi, 2019).
Assim, Marx-Engels, para desenvolverem sua Teoria, fundamentaram-na em três vertentes do pensamento até então vigentes, na Europa, quais foram: a Economia, dos ingleses; o Socialismo, dos franceses; e, a Filosofia, dos alemães. Porém, ao contrário das visões de ideologias liberais, adquirem um caráter de robustez crítica.
No que se refere a Ideologia, Marx-Engels partem da "crítica da religião desenvolvida pelo materialismo
francês e por Feuerbach [1804-1872] e, de outro, a crítica da epistemologia tradicional e a revalorização da
atividade do sujeito realizada pela filosofia alemã da consciência (...) e particularmente
por Hegel [1770-1831]." (Bottomore, 2023)
É que as suas críticas à toda as formas de ideologias, esses buscam "mostrar a
existência de um elo necessário entre formas 'invertidas' de consciência e a existência material dos
homens." (Id. Ibid.).
Como se pode perceber, "é essa relação que o conceito de ideologia expressa, referindo-se a uma distorção do
pensamento que nasce das contradições sociais (...) e as oculta." (Id. Ibid.). Nesse sentido, é que a ideologia terá um sentido negativo, e, por sua vez, ainda mais crítico.
Entretanto, a categoria da Ideologia irá sendo construída ao longo de suas pesquisas, quando está sendo consolidado seu pensamento crítico.
Pois, na História do pensamento de Marx-Engels, nas suas produções, serão construídas "dentro do contexto das várias fases do desenvolvimento
intelectual (...), mesmo que não se admita qualquer 'ruptura epistemológica' dramática entre tais
fases." Em que "um núcleo básico de significação encontra novas dimensões quando Marx desenvolve sua
posição e ataca novas questões." (Id. Ibid.).
Assim sendo, as fases de seus pensamentos, são as que seguem:
"A primeira fase compreende os seus primeiros escritos e vai até
1844." (Id. Ibid.).
Acontece quando "a característica desse período é o debate filosófico no qual os principais pontos de referência
são Hegel e Feuerbach." (Id. Ibid.). Em que "a expressão 'ideologia' ainda não aparece nos textos de Marx, mas os
elementos materiais do futuro conceito já estão presentes em sua crítica da religião e da concepção
hegeliana do Estado, definidas como 'inversões' que obscurecem o verdadeiro caráter das coisas." (Id. Ibid.).
Daí que é importante explicar detalhadamente que "a 'inversão' hegeliana consiste na conversão do subjetivo em objetivo, e vice-versa, de tal modo que,
partindo da suposição de que a Ideia se manifesta necessariamente no mundo empírico, o Estado
prussiano [do século XIX] surge como a autorrealização da Ideia, como um 'universal absoluto' que determina a
sociedade civil, em lugar de ser por ela determinado." (Id. Ibid.). O Estado, para Hegel, é um ente absoluto e metafísico.
Mas, a crítica de Marx (no capítulo sobre a Legislatura de sua Crítica da Filosofia do Direito de Hegel; publicado em 1844 nos Deutsch-Französische Jahrbücher (Anais Franco-Alemães)), aponta que "a inversão hegeliana não é produto de uma percepção ilusória", quando afirma que "se o ponto de vista de Hegel
é abstrato, é porque 'a ‘abstração’ é a do Estado político'." Isto explica o fato de "que a fonte da
inversão ideológica é uma inversão da própria realidade." Que "a mesma ideia existe na crítica da religião [já] feita por Marx." Muito "embora aceite o princípio básico de Feuerbach de que o homem faz a religião e de
que a ideia segundo a qual Deus fez o homem é uma inversão, Marx vai mais longe ao argumentar que
essa inversão é mais do que uma alienação filosófica ou simples ilusão – ela expressa as
contradições e sofrimentos do mundo real." (Id. Ibid.).
Na continuidade de sua crítica, Marx argumenta, na mesma obra dita acima, que "o Estado e a sociedade produzem a religião, 'que é uma
consciência invertida do mundo, porque eles próprios são um mundo invertido' (Estado e Religião)." Isto porque "a inversão religiosa compensa, no
espírito, uma realidade deficiente, reconstitui na imaginação uma solução coerente que está além do
mundo real, para compensar as contradições desse mundo real." (Id. Ibid.).
"A segunda fase começa com o rompimento com Feuerbach em 1845 e vai até 1857." Período este que Marx-Engels irão construir a Teoria do Materialismo Histórico, em oposição às ideologias até então existentes, para as quais lhes fizeram a crítica.
Neste contexto do capitalismo em plena evolução, "a ideia de uma inversão é conservada, mas Marx a amplia para abranger a crítica da religião e da Filosofia de Hegel e que os jovens hegelianos vinham desenvolvendo." (Id. Ibid.).
Para completar, "Marx
compreende que essa crítica depende das próprias premissas hegelianas, pois os jovens hegelianos
acreditam que a tarefa é libertar o homem das ideias errôneas", quando afirma, na A Ideologia Alemã que os jovens hegelianos esquecem 'que
a essas frases estão apenas opondo-se outras frases e não estão, de modo algum, combatendo o
mundo real que de fato existe'." (Id. Ibid.).
Com isso, Marx combate esses discursos frasais, cuja expressão está na afirmação da mais pura inversão da realidade, que passa a denominar de ideologia, quando faz a crítica que "subsume tanto os velhos como os jovens hegelianos e consiste em partir da consciência em vez de partir da realidade material" (Id. Ibid.), quando ficam apenas nas palavras, ideias metafísicas.
Opondo-se a essas ideologias dos jovens hegelianos de esquerda, "Marx afirma (...) que os verdadeiros
problemas da humanidade não são as ideias errôneas, mas as contradições sociais reais e que
aquelas [, as ideias,] são consequência destas." (Id. Ibid.).
Daí se afirmar, "com efeito, enquanto os homens, por força de seu limitado modo material de atividade, são
incapazes de resolver essas contradições na prática, tendem a projetá-las nas formas ideológicas de
consciência, isto é, em soluções puramente espirituais ou discursivas que ocultam efetivamente, ou
disfarçam, a existência e o caráter dessas contradições." (Id. Ibid.).
Por conseguinte, "ocultando-as [- as contradições -], a distorção ideológica
contribui para a sua reprodução e, portanto, serve aos interesses da classe dominante." Nesse sentido, "a
ideologia surge como um conceito negativo e restrito." (Id. Ibid.).
"É negativo porque compreende uma distorção,
uma representação errônea das contradições. É restrito porque não abrange todos os tipos de erros e
distorções." Portanto, "a relação entre as ideias ideológicas e não ideológicas não pode ser interpretada como a
relação geral entre erro e verdade." (Id. Ibid.).
E por conseguinte, "as distorções ideológicas não podem ser superadas pela crítica,
só podem desaparecer quando as contradições que lhes deram origem forem resolvidas na prática" (Id. Ibid.). Ou seja, pela Revolução Proletária !
"A terceira fase começa com a redação dos Grundrisse em 1858 e caracteriza-se pela análise
concreta das relações sociais capitalistas adiantadas que culmina em O Capital." Quando "a palavra ideologia
quase que desaparece desses textos." Desta feita, "a pertinência da análise econômica de Marx para
o conceito evidencia-se com o uso constante e a reelaboração da noção de inversão." (Id. Ibid.).
Isto porque "Marx já havia
chegado à conclusão de que, se algumas ideias deformavam ou 'invertiam' a realidade, era porque a
própria realidade [, ou seja, o modo de produção capitalista,] estava de cabeça para baixo. Mas essa relação aparecia de maneira direta, não
mediada." (Id. Ibid.).
Por conseguinte, na "análise específica das relações sociais capitalistas leva-o à conclusão mais avançada de
que a conexão entre 'consciência invertida' e 'realidade invertida' é mediada por um nível de
aparências que é constitutivo da própria realidade. Essa esfera de 'formas fenomenais' é constituída
pelo funcionamento do mercado e da concorrência nas sociedades capitalistas, e é uma manifestação
invertida da esfera da produção, o nível subjacente das 'relações reais'." (Id. Ibid.).
Nesse sentido, "a ideologia oculta o caráter contraditório do padrão essencial oculto, concentrando o foco na maneira pela qual as relações econômicas aparecem superficialmente."
Daí que nesse "mundo de
aparências constituído pela esfera de circulação [- do Mercado -] não só gera formas econômicas de ideologia, como
também é, segundo Marx n'O Capital, 'um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem, onde reinam a Liberdade, a Igualdade,
e Propriedade e Bentham'" (Id. Ibid.) (1748-1832), foi filósofo, jurista e um dos últimos iluministas a propor a construção de um sistema de filosofia moral, não apenas formal e especulativa, mas com a preocupação radical de alcançar uma solução a prática exercida pela sociedade de sua época, no aspecto puramente de valores alienantes.
Assim como "o mercado é também a fonte da
ideologia política burguesa"; isto porque 'a igualdade e a liberdade são, assim, não apenas aperfeiçoadas na
troca baseada em valores de troca, como também a troca dos valores de troca é a base produtiva real
de toda igualdade e liberdade.' (Marx, Grundrisse, Capítulo sobre o capital)." (Id. Ibid.).
Enfim, pode-se afirmar "que a ideologia
burguesa da liberdade e da igualdade oculta o que ocorre sob o processo superficial de troca, em que 'essa aparente igualdade e liberdade individuais desaparecem' e 'revelam-se como desigualdade e
falta de liberdade' (Marx, Grundrisse, Capítulo sobre o capital)." (Id. Ibid.).
Por fim, se pode dizer que "a partir da crítica inicial da religião, até o desmascaramento das aparências econômicas
mistificadas e dos princípios aparentemente libertários e igualitários do capitalismo, há uma notável
coerência na compreensão da ideologia por Marx." (Id. Ibid.).
Por razões de que "a ideia de uma dupla inversão, na consciência e na
realidade, é conservada em todos os momentos, embora no fim se torne mais complexa, graças à
distinção de um duplo aspecto da realidade o modo de produção capitalista", se colocando como um regime hegemônico na sociedade.
Todavia, para Marx-Engels, "a ideologia, portanto,
conserva sempre a sua conotação crítica e negativa, mas o conceito só se aplica às distorções
relacionadas com o ocultamento de uma realidade contraditória e invertida; seja no aspecto da economia, como a da política, que são estruturas à serviço da classe dominante capitalista.
Enfim, Marx-Engels concebem a ideologia como as ideias dominantes da classe dominante para manter a ordem de dominação; por outro lado, o
esses pensadores vão construir e deixar como legado a sua Teoria do Materialismo Histórico Dialético como a Teoria Revolucionária para a Classe Trabalhadora, a fim de que possam desvelar a realidade nas suas entranhas, para - concretamente - transformar a realidade completamente, em uma nova ordem social e, consequentemente, em um novo modo de produção, cuja centralidade é o trabalho humano.
NOTA
*Professor de Filosofia da Seed-Pr e Pós-Graduado em Filosofia e Educação.
-Todos os destaques feitos no texto são de responsabilidade do autor do Artigo.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BALDI, Luiz A. de P. A categoria ideologia em Marx e a questão da falsa consciência. 2019. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rk/a/wVGTjr8gbDLb8fNGgWBJcSB/#>; Acesso em: <22/11/2023>.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Disponível em:<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7049739/mod_resource/content/1/Bottomore_dicion%C3%A1rio_pensamento_marxista.pdf>; Acesso: <18/11/2023>.
CHAUI, Marilena. O que é Ideologia. 2. ed. São Paulo : Brasiliense, 2008. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/388158/mod_resource/content/1/Texto%2014%20-%20O%20que%20%C3%A9%20ideologia%20-%20M.%20Chau%C3%AD.pdf>; Acesso em: <20/11/2023>.
MÉSZÁROS, István. O Poder da Ideologia. São Paulo : Ensaio, 1996. Disponível em: <https://mega.nz/folder/tB4ixBrT#HdKHkbJo436ieXafCyaUSg>; Acesso em: <23/11/2023>.
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