A Questão Judaica em Marx: sobre a Emancipação Humana

A Questão Judaica em Marx: sobre a Emancipação Humana

Luiz Antonio Sypriano*


  "A questão judaica", refere-se aos dois ensaios de Karl Marx (1818-1883), publicados em 1844 no primeiro e único Jornal denominado de "Anais Franco-Alemães", como respostas aos seguintes artigos de Bruno Bauer (1809-1882): “A questão judaica”, publicado nos Anais Franco-Alemães de 17 a 29 de novembro de 1842, e “Sobre a capacidade de judeus e de cristãos atuais ascenderem à liberdade”, publicado nas "Vinte e uma folhas de Georg Herwegh", em maio de 1843.

O que se vai tratar neste Artigo é sobre o primeiro ensaio de Marx “A questão judaica”, com um profundo estudo sobre o mesmo, apontando suas ideias e a confirmando-as no contexto em que se vive.

Porém, antes de tudo será necessário apontar o contexto no qual Marx parte para a elaboração de seus ensaios, que se trata da situação dos judeus na Prússia, do Estado cristão - não laico -, no que os judeus sofriam uma série de restrições como, por exemplo, a proibição de ocupar certos cargos públicos; além disso, vai se apresentar a resposta crítica de Marx ao pensamento do neo-hegeliano Bauer que, contra o Estado atrasado da Prússia, vai defender a sociedade e o Estado moderno capitalista. Bem dito que, nessa época, Marx ainda não discutia questões econômicas em suas análises.

     Parte-se de que o ponto de partida de toda a crítica de Marx a Bauer será o fato de este não ter explorado a questão judaica naquilo que ela apresentava de mais fértil, ou seja, de não tê-la transformado numa ampla crítica da política social. Mas, pelo contrário, Bauer analisou apenas o problema judeu pela ótica da religião e de sua relação com o cristianismo, bem como a relação de ambas com o Estado cristão prussiano, reduzindo o problema a uma questão puramente teológica.

    Para Bauer, não apenas a religião era em si a inimiga irredutível da razão e consequentemente do progresso humano, mas acreditava que só pela via da sua supressão teórica, através da dialética hegeliana, é que levaria à liberdade humana.

    Se Bauer reivindicava a possibilidade e a necessidade de se evoluir pela ação da Filosofia crítica do Estado cristão instaurado por Frederico Guilherme IV (1795-1861), da Prússia, em direção ao Estado racional; Marx, pelo contrário, não se propunha em nenhuma medida a sustentar essa proposta, no que tange ao conflito com a Igreja Católica e a um governo reacionário, preferindo criticar a ambas as atitudes, tanto a do Estado quanto a da Igreja.

    Ao contrário, Marx se posiciona radicalmente contra Bauer, principalmente porque pensava que a tese de Bauer servisse somente para enaltecer os interesses do Estado prussiano, ainda que este não o previsse, embora legitimasse a atitude conservadora e reacionária contra os judeus.

    Isto porque, de acordo com Bauer, os judeus enquanto mantivessem a sua religião, seriam incapazes de serem emancipados, já que de nada valeria que a lei geral do Estado lhes outorgassem a igualdade de direitos, se a sua lei mosaica (judaica) lhes impedissem de exercer seus direitos e deveres de cidadãos, como a participação nas sessões parlamentares, realizadas aos sábados. Então, é só por isso que esse vai defender que o Estado moderno tem que ser ateu.

    Bauer vai afirmar, ainda, que o Estado cristão (Prussiano) age de forma coerente e legítima, ao recusar dos judeus a igualdade de direitos como se dava para os cristãos. Aponta, ainda, que o judeu era o primeiro responsável por sua própria opressão, na medida em que se mantinha fiel a uma religião que favorecia e engendrava o egoísmo, a usura e a tendência deles a se isolarem e se preocuparem apenas com os seus problemas, ignorando a humanidade.

    Aponta, também Bauer, que a emancipação do judeu só seria alcançada quando o Estado renunciasse à sua religião de Estado; e o judeu, ao judaísmo; e o católico, ao catolicismo; e o protestante, ao protestantismo; e, assim por diante. Coisa absurda e inatingível.

    Nesse sentido, Bauer dirige sua crítica apenas ao Estado cristão, e não ao Estado geral, e a questão política fundamental da relação do Estado moderno com a religião se resolveria automaticamente pela própria ausência da religião.

    Contra Bauer, Marx vai questionar sobre qual é o tipo de emancipação que se quer tratar. Para respondê-la, Marx vai separar em dois tipos a emancipação, de um lado a política e, de outro, a humana. Daí é que vai criticar radicalmente as teses de Bauer, afirmando que a emancipação humana não é uma questão religiosa; mas, de caráter político-social.

    O problema, então, que surge para Marx, a partir da constatação do caráter político dos ensaios de Bauer, é que por meio da emancipação por ele preconizada, não há sequer o direito de exigir que os judeus abandonem o judaísmo. Isto porque a emancipação política da religião possui a mesma natureza da emancipação política da propriedade individual burguesa, ambas levadas a cabo pelo Estado moderno capitalista, quando da passagem da propriedade individual e da religião do âmbito público para o privado. institucionalizando a burguesia e, por consequência, a sua ideologia liberal.

    Posto que o Estado político, cujo exemplo mais perfeito para Marx seriam os Estados Unidos (do século XIX), foi quem suprimiu idealmente a propriedade privada, com o voto censitário, ao abolir o censo de fortuna e a religião, ao conceder ao cidadão o direito à livre escolha de culto etc. Entretanto, não significa que o Estado burguês possa prescindir nem da religião nem da propriedade privada para o controle da massa.

    Desta forma, a crítica da emancipação política à Bauer, é, para Marx, a crítica final da questão judaica e a sua verdadeira dissolução no problema de nossa época. Ao apontar as contradições da concepção de Bauer, Marx esclarece a sua verdadeira natureza, o seu caráter “progressivo”, e os seus limites, quando afirma que é a partir da emancipação política que a questão judaica perde definitivamente o seu caráter particular e se insere no problema da emancipação geral da humanidade.

    Com isso, como se pode constatar, a questão teórica, levantada pelas relações marxismo-judaísmo, que buscou focar na relação entre a “crítica da religião”, é considerada por Marx como o primeiro estágio de toda a crítica, para, depois na “crítica da nação”, considerar o Socialismo como o objetivo histórico do movimento operário contemporâneo., ou seja, uma Estado da classe trabalhadora, quando se expurgar quaisquer relações de opressões e as classes sociais.

    Além do mais "a questão judaica" marca o momento preciso do assentamento das bases do materialismo histórico através da total integração, pela primeira vez na obra de Marx, do homem na sociedade e da atividade humana na atividade social, ou seja, a união interativa entre o sujeito e o objeto, entre o homem e o seu meio.


NOTAS

*Professor de Filosofia, Pesquisas em Filosofia e Educação, com Pós-Graduações.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MARX, Karl. Bruno Bauer, A Questão judaica. In:______________. Sobre a Questão Judaica. São Paulo : Boitempo, 2010, p. 33-54. Disponível em: <https://beneweb.com.br/resources/Sobre%20a%20questao%20judaica%20-%20Marx.pdf>



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