A Retórica da Moral na Ideologia da Teologia do Domínio: Uma das Armas Política da Classe Dominante

 A Retórica da Moral na Ideologia da Teologia do Domínio:
Uma das Armas Política da Classe Dominante

*Luiz Antonio Sypriano


Uma influente, e cada vez mais proeminente corrente teológico-política, a Teologia do Domínio tem se consolidado como uma força motriz por trás de muitas das acirradas disputas políticas e sociais que definem o Brasil contemporâneo.

Traz como premissa central de que os cristãos têm o mandato divino de exercer domínio sobre todas as esferas da sociedade — da política à educação, da mídia às artes etc. —, ideologia esta que oferece uma chave de compreensão crucial para as motivações de um segmento significativo e politicamente ativo da população, majoritariamente ligado a setores neopentecostais e evangélicos conservadores.

Por conseguinte, entendê-la, é crucial para compreender a motivação por trás dessas muitas das disputas políticas e sociais em nosso país. É o que se pretende conhecer para desvendá-la e poder enfrentá-la com o rigor científico.

Por Teologia do Domínio, também conhecida como "Dominionismo", entende-se como uma corrente de pensamento teológico-político que tem ganhado crescente notoriedade no Brasil, influenciando discursos, pautas e a atuação de diversos agentes públicos, nas diversas esferas da sociedade.

Sua premissa central é a de que os cristãos têm o mandato divino para exercer domínio sobre todas as esferas da sociedade - não apenas na vida privada -, e preparar o caminho para a volta de Jesus Cristo.

Seu objetivo final é reestruturar a sociedade e suas instituições de acordo com princípios e leis bíblicas, o que, na prática, desafia diretamente o conceito de um Estado laico.

Mas, na retórica de uma "guerra espiritual" e a apresentação de adversários políticos como inimigos da fé cristã, constituem elementos que os unem em seus discursos e suas práticas políticas.

Ela é originária de movimentos teológicos estadunidenses, especialmente do “Reconstrucionismo Cristão” a partir da década de 1970, com pensadores como R.J. Rushdoony (1916-2001), a Teologia do Domínio, ou Dominionismo, se popularizou através de uma estratégia mais acessível conhecida como a "Doutrina dos Sete Montes"; e, no Brasil, desembarcou e se adaptou ao contexto, onde encontrou terreno fértil para florescer.

Sua ascensão está intrinsecamente ligada ao crescimento da bancada evangélica no Congresso Nacional e à eleição de políticos que abraçam abertamente uma agenda de valores conservadores, como as lideranças políticas e religiosas da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e o pastor Silas Malafaia; que, frequentemente, são associados à promoção de pautas alinhadas a essa teologia.

Nela, busca-se defender que a passagem bíblica de Gênesis 1:28 — "E Deus os abençoou, e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra". Nesta sua premissa básica reside a interpretação literal de que instrui a humanidade a "sujeitar" e "dominar" a Terra.

Nela, está dito que não é apenas uma bênção cultural, mas uma ordem direta de Deus para que os cristãos governem o mundo. Assim, para seus adeptos, tal mandato não se restringe a uma mordomia ambiental ou espiritual, mas se traduz a um chamado para a ação política e cultural, visando a implementação de leis e valores cristãos na vida pública.

Embora não seja uma denominação ou uma igreja específica, funciona como uma ideologia que atravessa diferentes grupos, principalmente no meio neopentecostal, que se arvoram a fim da tomada do poder político da sociedade.

No Brasil, essa teologia se manifesta de forma proeminente através da chamada "Visão dos Sete Montes", uma estratégia que advoga a influência e, em última instância, o controle cristão sobre sete áreas fundamentais da sociedade: família, religião, educação, governo, mídia, artes e entretenimento, e negócios. Esta abordagem, considerada por alguns como uma versão mais "suave" e cultural do dominionismo, tem orientado a atuação de diversas lideranças e movimentos.

Sãos as seguintes áreas com as suas estratégias política:

  1. Governo e Política: ocupar cargos eletivos na administração pública para implementar leis baseadas em valores cristãos.

  2. Educação: Influenciar o currículo escolar, combater o que chamam de "ideologia de gênero" e promover o criacionismo.

  3. Mídia e Comunicação: Controlar os meios de comunicação para disseminar sua visão de mundo.

  4. Artes e Entretenimento: Produzir cultura (música, cinema, teatro) que reflita os valores cristãos.

  5. Negócios e Economia: Liderar o mercado e usar o poder econômico para financiar o projeto de domínio.

  6. Família: Defender o modelo de família tradicional como a base da sociedade.

  7. Religião: Unificar as igrejas sob esta visão e evangelizar a nação.

Outra ideia central é a da "batalha espiritual", que enquadra a política não como um debate de ideias, mas como um confronto entre o bem (forças de Deus) e o mal (forças demoníacas). Nesse contexto, adversários políticos são frequentemente retratados como inimigos a serem derrotados, e não como oponentes legítimos.

No Brasil, essa teologia serve como uma base ideológica para parte da chamada "Bancada Evangélica" e para movimentos da direita cristã.

Sua influência pode ser observada em diversas frentes:

  • Pautas de Costumes: Forte oposição a temas como a legalização do aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, descriminalização das drogas e a chamada "ideologia de gênero" nas escolas.

  • Figuras de Destaque: Políticos e personalidades como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e parlamentares como o deputado Nikolas Ferreira, são frequentemente associados a essa linha de pensamento, utilizando uma retórica de missão divina e de restauração moral da nação.

  • Simbolismo e Retórica: O uso de slogans como "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" e a caracterização de líderes políticos como "ungidos" ou "messias" para uma missão de salvação nacional são manifestações claras dessa mentalidade.

  • Projetos de Poder: A publicação do livro "Plano de Poder", do Bispo Edir Macedo, já em 2008, delineava um projeto de ocupação de espaços de poder pela Igreja Universal do Reino de Deus, uma ideia que dialoga diretamente com os princípios do dominionismo.

As influências se materializam em propostas legislativas e embates públicos sobre temas sensíveis. Um exemplo notório é o Projeto de Lei 1904/24, apelidado de "PL da gravidez infantil", que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio.

A defesa ferrenha de tal medida por parlamentares da bancada evangélica reflete a visão dominionista de que as leis do país devem espelhar preceitos bíblicos sobre a vida e a moralidade.

Outro campo de batalha crucial é a educação. O movimento "Escola sem Partido", que ganhou força nos últimos anos, embora não seja exclusivamente religioso, encontrou forte eco entre os adeptos da Teologia do Domínio.

A oposição ao que denomina de "ideologia de gênero" e "doutrinação marxista" nas escolas é uma manifestação clara da tentativa de moldar o ambiente educacional de acordo com seus princípios, protegendo as novas gerações de influências consideradas contrárias à fé cristã.

A expansão da Teologia do Domínio no Brasil levanta preocupações significativas:

  • Ameaça ao Estado Laico: A tentativa de subordinar as leis civis a preceitos religiosos fere a laicidade do Estado, garantida pela Constituição de 1988, que prevê a separação entre Igreja e Estado.

  • Intolerância Religiosa e Política: A lógica da "batalha espiritual" pode alimentar a intolerância contra outras religiões (especialmente as de matriz africana) e contra grupos que não se alinham à sua agenda conservadora.

  • Não Representa Todos os Evangélicos: É fundamental destacar que a Teologia do Domínio não é um pensamento unânime entre os evangélicos brasileiros. Muitos fiéis e líderes de denominações tradicionais e pentecostais não concordam com essa visão e defendem a separação entre religião e política.

A crescente influência da Teologia do Domínio no Brasil tem suscitado fortes críticas de acadêmicos, teólogos de outras vertentes e defensores do Estado laico. A principal preocupação reside na potencial ameaça aos princípios democráticos e à pluralidade da sociedade. Críticos argumentam que a busca por uma hegemonia cristã na esfera pública pode levar à intolerância religiosa, à perseguição de minorias e à erosão da separação entre Igreja e Estado, um pilar fundamental da República brasileira.

Teólogos críticos a essa corrente apontam para uma distorção do evangelho, que, em sua essência, pregaria o amor, o serviço e a humildade, em detrimento de um projeto de poder temporal. A associação de figuras políticas a um status de "ungidos" ou "messias" também é vista com apreensão, por sacralizar a política e demonizar a oposição, argumentam.

Em suma, a Teologia do Domínio representa mais do que um conjunto de crenças religiosas; ela se configura como um projeto político e cultural com uma agenda clara para a transformação da sociedade brasileira. Entender suas origens, seus objetivos e suas manifestações é, portanto, indispensável para decifrar a dinâmica de poder e as profundas clivagens que marcam o Brasil contemporâneo, onde a fé e a política se entrelaçam de maneira cada vez mais explícita e conflituosa.


*(Professor de Filosofia da Seed-Pr)

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