A Religião como Instrumento da Luta de Classes em Marx-Engels
A Religião como Instrumento da Luta de Classes em Marx-Engels
Luiz Antonio Sypriano*
A partir desse pressuposto que se vai tratar, nesse Texto, da reflexão sobre a religião, em dois campos: um como alienação e um outro como instrumento de libertação. Cuja concepção partirá das teses de Marx, que fundamenta-se na sua obra de 1843, na "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel", publicada postumamente. Nesse livro irá se ater apenas na sua Introdução, quando Marx procede a análise da religião como instrumento da luta de classes.
É nesta obra que aparece a frase de que "a Religião é o ópio do povo"; para ser mais preciso, é uma obra que recebeu influência de L. Feuerbach (1804-1872), n' "A essência do cristianismo" (1841).
Então, Marx começa por desvelar a sua crítica da religião, paradoxalmente, ao dizer que na "Alemanha, a crítica da religião está, no essencial, terminada; e a crítica da religião é o pressuposto de toda a crítica." O que quis dizer Marx? Como seu fundamento advém de Feubarch, afirma que a Teologia é uma Antropologia invertida, ou seja, tudo o que aquela fala não diz respeito ao Teo (Deus); mas, ao Anthropos (Homem).
E, continua: "O homem, que na realidade fantástica do céu, onde procurava um super-homem, encontrou apenas o reflexo de si mesmo, já não será tentado a encontrar apenas a aparência de si, o inumano, lá onde procura e tem de procurar sua autêntica realidade." Na verdade, esse homem, ao olhar para o céu, somente encontra o reflexo de si mesmo, aqui da Terra.
Agora, vem a crítica radical de Marx: "este é o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a religião não faz o homem."
E vai muito além quando afirma que "a religião é de fato a autoconsciência e o auto sentimento do homem, que ou ainda não conquistou a si mesmo ou já se perdeu novamente."
Marx, porém, contrapõe à Filosofia essencialista de Feuerbach, ao afirmar que "o homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Esse Estado e essa sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido". Nela busca trazer as questões humanas para a materialidade da vida, ao dizer que é o homem quem produz essa autoconsciência, produz o que se denomina de ideologia da classe dominante.
Vai ainda mais fundo quando aponta que "a religião é a teoria geral deste mundo, seu compêndio enciclopédico, sua lógica em forma popular, seu point d’honneur (ponto de honra) espiritualista, seu entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua base geral de consolação e de justificação." O que Marx aponta aqui é que a religião é uma forma de explicação do mundo. Nisso, vai de encontro ao que Nietzsche (1844-1900) vai dizer mais tarde, que o cristianismo é o platonismo para o povo. Pelo fato de que o povo não consegue ter uma explicação Filosófica; por isso irá buscá-la em uma versão mais facilitada, que é a da religião - não à toa que os crentes apelam sempre à Bíblia, para fundamentar seus argumentos.
Mais adiante consolida o que dissera; mas, agora, no sentido de utilizar a religião como instrumento de luta, ao dizer que "a luta contra a religião é, indiretamente, contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião." Ou seja, estamos em uma determinada sociedade, Estado ... que cria uma religião ... daí, a luta indireta contra a religião é a luta direta contra esse mundo que criou a religião; um mundo de opressões e de injustiças.
E afirma que "a miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estado de coisas embrutecidos."
O que quis dizer Marx com isso? Aponta que a religião é a expressão da miséria humana; mas, também, um protesto contra essa miséria. Ou melhor, que o povo assume uma religião, também, para protestar contra a situação de opressão a que vive.
Daí vem a frase árdua de que Marx a trata como "a religião é o ópio do povo". Já no que se refere à essa expressão, está querendo dizer que esta é uma espécie de anestésico para o povo suportar a condição de exploração e injustiças a que se está submetido; então, cria-se esse mundo fantástico da religião, para o além, qual possa ter uma vida melhor após morte.
Logo em seguida, Marx segue no texto para afirmar a sua tese de que a "supressão [Aufhebung] da religião como felicidade ilusória do povo é a exigência da sua felicidade real." Ou seja, o povo suspende essa ilusão de uma felicidade posterior, para lutar por uma felicidade no aqui e no agora, mais concreta e real.
E segue: "A exigência de que abandonem as ilusões acerca de uma condição é a exigência de que abandonem uma condição que necessita de ilusões." É quando o povo vier a superar essa condição de vida que precisa de ilusão; quando, certamente, não irá mais querer viver na doce ilusão da vida presente, nesse mundo de opressões e injustiças.
Assim, a luta contra a religião, é a luta indireta de um mundo que precisa de religião, que mantém o povo na eterna ilusão, enquanto esse é explorado pela classe dominante, que lhe explora e expropria.
Daí, uma pergunta necessária: que tipo de sociedade que precisa da religião para manterem o povo na ilusão? São os tipos de sociedades antagônicas, em que precisam manter o povo na ordem de dominação.
Por isso é que Marx segue na sua crítica da religião: "A crítica da religião é, pois, em germe, a crítica do vale de lágrimas, cuja auréola (aparência santa) é a religião." E assim por diante, até que a Revolução Socialista possa alcançar o seu pleno sucesso.
A partir dessa nova concepção, a religião passa a ser um fenômeno social, ideológico, cultural, espiritual etc., relacionada com o processo histórico, ou seja, a cada modo de produção a religião se constitui em um novo instrumento, como o Cristianismo assume nos cristão primitivo, outra no Estado Romano e no Feudalismo, assim como no Capitalismo e o Fundamentalismo em nossos dias.
Nesse sentido, a religião deve ser vista do ponto de vista da luta de classe, como existe hoje no Congresso Nacional, com os embates de pastores fundamentalistas e o Pastor Henrique Vieira do PSOL.
Nesse sentido, não se trata mais da "alienação da essência humana"; mas, um instrumento de luta de classes, quando cada classe social - antagônica - a utiliza para o embate na disputa de poder político e econômico.
Tese essa sugerida na "Ideologia Alemã" por Marx-Engels e, posteriormente, na análise que F. Engels (1820-1895) faz, na sua obra sobre "As Guerra Camponesas na Alemanha", de 1850. Neste Livro, Engels analisa a religião como um instrumento da luta de classes, quando aponta as várias religiões e sua classe social, como o catolicismo dos aristocratas, do imperador, da Igreja; assim como o Protestantismo da burguesia, de Lutero; e o Anabatismo dos camponeses, dos artesãos empobrecidos, que tem sua expressão espiritual na Teologia Revolucionária do teólogo Thomas Münzer Windsor.
Na Obra em destaque, Engels faz uma análise muito positiva sobre a liderança do Teólogo Münzer, que se alia aos camponeses pobres, enquanto Lutero se alia à classe dominante, no contexto da Reforma Protestante na Alemanha (Século XVI).
Segundo Engels, sobre Münzer, que participa de uma revolta camponesa na Alemanha, sendo a primeira grande Revolução na sua História, e sua Religião era a Anabatista, contrária à hegemônica das classes dominantes do Século XVII; mas, são derrotados, torturados, massacrados, assassinados ... porém, segundo Engels, deixaram uma semente; na sua afirmação, o teólogo foi precursor do Comunismo moderno.
Conquanto, na História acontecem muitos movimentos sociais, cujas lideranças religiosas se colocaram contra a opressão da população empobrecida e explorada pela classe dominante. E, mais recentemente, na América Latina, temos a presença de lideranças religiosas com a bandeira da Cristandade Libertadora (Teologia da Libertação). Disso, se entende que a questão da religião é muito mais complexa do que se imagina.
Pois, é desta forma que o marxismo analisa a Religião, não mais como a essência alienada do povo, mas como um instrumento da luta de classes.
Além disso, essa concepção nos permite entender os fenômenos da América latina e do Brasil, cujo fundamento popular está na religião; cujo fundamento não é somente uma Teologia, mas todo um Movimento Social, como de um lado a Cristandade Libertadora e, do outro lado, o fundamentalismo, com seu afã propósito de fortalecer o poder da classe dominante. Trava-se a luta por interesses e dominação. Cabem a classe trabalhadora a sua posição de classe, nessa guerra fraticida.
*Luiz Antonio Sypriano: professor de Filosofia da Seed-Pr, graduado e pós-graduado em Filosofia e Educação.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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WOLFART, Graziela. Pentecostalismo: traços históricos. Disponível <https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/3207-alderi-souza-de-matos>; Acesso <25/09/2023>.
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