*Luiz Antonio Sypriano
"Todos vêem aquilo que pareces, mas poucos sentem o que és; e estes poucos não ousam opor-se à opinião da maioria, que tem, para defendê-la, a majestade do estado. Como não há tribunal onde reclamar das ações de todos os homens, e principalmente [das ações] dos príncipes, o que conta por fim é o resultado. Cuide pois o príncipe de vencer e manter o estado: os meios serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo está sempre voltado para as aparências e para o resultado das coisas, e não há no mundo senão o vulgo; a minoria não tem vez quando a maioria tem onde se apoiar". (Maquiavel, O Príncipe)
A Filosofia Política, expressa na obra de N. Maquiavel (1469-1527) n'O Príncipe (1513), revela o estado da política da modernidade nascente, fruto das crises feudais, devido ao avanço e fortalecimento da burguesia, com o capitalismo e toda a sua estrutura e interesses dos ricos comerciantes e banqueiros, como da Igreja, que se juntam para se apropriarem de uma categoria que funda este modo de produção: o capital.
Maquiavel, na sua obra, “cria” o termo maquiavélico, para designar tudo aquilo que é pérfido e aquelas pessoas astuciosas, velhacas e ardilosas. Enfim, tudo aquilo que é imoral, para designar aqueles que se envolvem na política, a fim de defender os seus interesses e, para tal, buscam perpetuar-se no poder.
Para tanto, será necessário compreender a palavra política, que vem do grego antigo da ideia de pólis (cidade-estado), formada pelos cidadãos, politikos, que são os homens nascidos no solo da polis, livres e iguais; portanto, portadores de dois direitos fundamentais: a isonomia (a igualdade perante a Lei) e a isegoria (o direito de expor e discutir em público opiniões sobre as ações que a pólis deve ou não realizar). Assim, a organização da polis era constituída pela ta politika, ou seja, os negócios públicos, dirigidos pelos cidadãos, como os costumes, leis, erário público, organização da defesa e da guerra, administração dos serviços públicos (abertura de ruas, estradas e portos, construção de templos e fortificações, obras de irrigação etc.) e das atividades econômicas (moedas, impostos e tributos, tratados comerciais etc.).
Já para os filósofos gregos e, por conseguinte, romanos, observa-se que tratam a política como um valor, e não como um simples fato, considerando a existência da política como finalidade superior da vida humana, como a vida boa, entendida como racional, feliz e justa, própria dos homens livres.
Por isto afirma-se que a Política e a Filosofia nasceram na mesma época, pelos idos do Século VI a.C.; e, por serem contemporâneas, diz-se que “a Filosofia é filha da polis”, porque muitos dos primeiros filósofos foram chefes políticos e legisladores. Na época, concebe-se que a finalidade da vida política era a justiça na comunidade; enquanto a sua noção, inicialmente, fora elaborada em termos mítico, quando ganha força nos regimes imperialistas antigo e no feudalismo, pela atuação ideológica da Igreja católica.
Já com a crise do feudalismo e o fortalecimento da burguesia, no mercantilismo e renascimento, com o colonialismo, toda uma tradição antiga e medieval é questionada; por conseguinte, em relação à tradição do pensamento clássico político, a obra de Maquiavel é demolidora e revolucionária.
Como se dá essa ruptura? Diferente dos teólogos, que partiam da Bíblia e do Direito Romano para formular teorias políticas, e, diferentemente dos contemporâneos renascentistas, que partiam das obras dos filósofos clássicos gregos para construir suas teorias políticas, Maquiavel, ao contrário, partia sempre da experiência da vida concreta de seu tempo (Século XV-XVI), para suas elaborações teóricas.
Época esta de Maquiavel de extrema crises e transformações, como as lutas europeias de centralização monárquica (França, Inglaterra, Espanha, Portugal etc.), da ascensão da burguesia comercial, das grandes cidades e, sobretudo, a fragmentação italiana, dividida em reinos, ducados, repúblicas e Igreja.
Foi com esta compreensão dessas experiências históricas e a interpretação do sentido delas que conduziram Maquiavel à ideia de que uma nova concepção da sociedade e da política tornara-se necessária, sobretudo para a Itália e para Florença. Por isto é que a sua obra é quem funda o pensamento político moderno.
Disto pode-se resumir o pensamento de Maquiavel em quatro pontos fundamentais, quais sejam:
1º-não admite um fundamento anterior e exterior à política (Deus, Natureza ou razão): por isso, toda Cidade está originalmente dividida por dois desejos opostos:
(i) dos grandes de oprimir e comandar; e,
(ii) do povo de não ser oprimido nem comandado.
Nestas suas ideias quis demonstrar que a Cidade não é uma comunidade homogênea nascida da vontade divina, da ordem natural ou da razão humana.
Na realidade, a Cidade é tecida por lutas internas (divisões sociais) que a obrigam a instituir um polo superior (poder político) que possa unificá-la e dar-lhe identidade; daí que a política nasce das lutas sociais e é obra da própria sociedade para dar a si mesma unidade e identidade.
2º-não aceita a ideia da boa comunidade política, constituída para o bem comum e a justiça.
O fato é que existe uma imagem da unidade e da indivisão da política, criada pelos ricos, que recobrem a realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo; é por isto que desconstrói a ideia de que os interesses dos poderosos e dos populares seriam os mesmos e de que todos fossem irmãos e iguais numa bela comunidade de iguais e justas.
Por fim afirma que a finalidade da política é a tomada e a manutenção do poder pelos poderosos. Mas, para constituir essa unidade, Maquiavel afirma que o verdadeiro príncipe (governante) é aquele que sabe tomar e conservar o poder e que, diante das disputas, jamais deve aliar-se aos poderosos, isto porque estes são seus rivais e querem o poder para si; por isto é que o príncipe deve aliar-se ao povo, que espera do governante a imposição de limites ao desejo de opressão e mando dos poderosos.
Assim, a política não é a lógica racional da justiça e da ética, mas a lógica da força transformada em lógica do poder e da lei.
3º-recusa a figura do bom governo encarnada no príncipe virtuoso, portador das virtudes cristãs, das virtudes morais e das virtudes principescas.
Por isto, o príncipe (governante) precisa ter virtu - que é propriamente política -, ou seja, às qualidades do dirigente para tomar e manter o poder, mesmo que para isso deva usar da violência, mentira, astúcia e força.
Mas, se a tradição afirmava que o governante devia ser amado e respeitado pelos governados, não se coloca para Maquiavel; pelo contrário, afirma que o príncipe não pode ser odiado pelo povo - ao contrário - deve ser respeitado e temido!
Mais ainda, o príncipe não precisa ser amado, pois isso o faria um pai para a sociedade - isto porque um pai conhece apenas um tipo de poder: o despótico. Por isto que a virtude política do príncipe aparecerá na qualidade das instituições que souber criar e manter, na capacidade que tiver para enfrentar as ocasiões adversas, a fortuna ou sorte.
4º-não aceita a divisão clássica dos três regimes políticos (monarquia, aristocracia e democracia) e suas formas corruptas ou ilegítimas (tirania, oligarquia e demagogia ou anarquia); assim como não aceita que o regime legítimo seja o hereditário e o ilegítimo, usurpado por conquista.
Sendo assim, Maquiavel pensa que qualquer regime político - tenha a forma que tiver e tenha a origem que tiver - só poderá ser legítimo ou ilegítimo quando o critério que o estabelece for o seu valor: a liberdade.
Por isto é que Maquiavel vai apontar que o agente político que melhor supera a sua crítica às tradições políticas está na figura do príncipe virtuoso, como o melhor governante, que expressa o desejo dos governados, cujas virtudes não sucumbem ao poderio da caprichosa e inconstante fortuna.
Assim, a oposição virtude-fortuna, que jamais abandonou a ética, na antiguidade e medieval, vai em Maquiavel tomar outro sentido; porque a virtu do príncipe não consiste num conjunto fixo de qualidades morais que ele oporá à fortuna, lutando contra ela. Mas, a virtu é a capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para agarrar e dominar a fortuna. Por conseguinte, o ethos ou caráter do príncipe deve variar com as circunstâncias, para que sempre seja senhor delas.
Mas, para tanto, precisa de um regime político legítimo, quando o poderio da opressão e comando dos grandes - que venha a esmagar o povo -, não seja maior do que o poder do príncipe (que deve estar à serviço do povo). Esse regime, por conseguinte, só pode ser uma república, que não esteja à serviço dos desejos e interesses de um particular ou de um grupo de particulares.
Portanto, no manual de Maquiavel, a lógica política nada tem a ver com as virtudes éticas dos indivíduos em sua vida privada; isto porque o pensador inaugura a ideia de valores políticos medidos pela eficácia prática e pela utilidade social, afastados dos padrões que regulam a moralidade privada dos indivíduos, numa ontologia da exterioridade.
Mas, pelo contrário, uma vez que o ethos político e o ethos moral são diferentes e não há fraqueza política maior do que o moralismo que mascara a lógica real do poder, que se afirma, em Maquiavel, estes pressupostos que inauguram a teoria moderna da lógica do poder como independente da religião, da ética e da ordem natural.
Por isto é que se considera que O Príncipe, além de ter uma finalidade prática, é uma obra que pretende ser um pequeno tratado sobre as condições de aquisição e manutenção do poder no “principado”; por ser um texto de natureza teórica, ao falar da ação dos príncipes, Maquiavel trabalha com uma tipologia de governantes que, de alguma forma, está acoplada a uma tipologia de Estado. E, embora essas lições estejam particularmente voltadas para o caso dos "principados", elas podem ser estendidas para outras formas de governo e de Estados.
*(Professor de Filosofia da Seed-Pr)
Um artigo que nos revela a atualidade da filosofia política de Maquiavel. Trotsky dizia que Maquiavel depois de tanto tempo é atual porque o Capitalismo não melhorou em nada a situação política da chamada "ordem democrática" que é burguesa...
ResponderExcluirMaquiavel é o teórico aguçado que compreendeu o poder e a lógica dos agentes do modo de produção capitalista.
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