A TRIBUTAÇÃO DAS BETS, NA DISPUTA DA ACUMULAÇÃO DOS RECURSOS DO ESTADO PELO CAPITAL E SEUS AGENTES, E O PAPEL DA MÍDIA
*Luiz Antonio Sypriano
As mídias, em geral, publicam reportagens sobre o impasse entre o governo Lula e o Congresso Nacional, a respeito da taxação das casas de apostas ("bets"). Pode-se dizer que se trata de um excelente objeto para uma análise crítica, quando busca-se compreender o papel da mídia nesse trâmite, assim como na relação entre Estado e capital.
As notícias descrevem como um impasse técnico-político, no que se refere à compensação fiscal e o risco ao Orçamento de 2026, destacando que se trata de uma "briga" por fontes de receitas, apenas, a taxação dessa fração do capital.
Nesse arena da política econômica estão o Governo Federal - representando o gestor do Estado capitalista -, que necessita arrecadar fundos para manter a máquina pública, e, ao mesmo tempo, financiar políticas sociais e garantir um mínimo de estabilidade fiscal – condição para a própria reprodução do capital em longo prazo -, e, de outro, os congressistas que pressionam o governo para garantir as suas emendas e, ao mesmo tempo, o capital com sua voracidade para abocanhar, também, os Fundos Públicos.
A partir desse imbróglio, é preciso compreender que o Estado, como uma arena da luta de classes, se apresenta em um conflito contínuo, para além da mera disputa institucional.
Como já dito, o governo Lula atua aqui como o "capitalista ideal coletivo". Pois, a sua função é a de garantir as condições gerais para a reprodução do capital. Entretanto, com a falta de receitas e a ameaça de cortes no Orçamento (inclusive em emendas, que garantem a governabilidade) está representado um risco à estabilidade do próprio sistema. Nesse sentido é que o governo precisa extrair recursos de algum setor para manter a máquina funcionando; daí que vêm a proposta de taxar as "bets" - que não se trata de uma medida "socialista" -, mas, uma necessidade da gestão do próprio Estado capitalista, a fim de manter a ordem dominante.
Assim, no Congresso Nacional, que representa de forma mais direta e fragmentada os interesses das diversas frações da burguesia, cuja "resistência" não é uma abstração, mas a materialização da força do lobby do capital financeiro, agrário, industrial, comercial e de serviços (no que se refere às casas de apostas, muitas delas com capital internacional), atua para proteger suas taxas de lucros exponencial. Quanto à menção às "emendas parlamentares" é crucial, porque esta revela-se como a base material pela qual o interesse privado (a verba para o reduto eleitoral do parlamentar) se alinha ao interesse de uma fração específica do capital, e por isso, lutam para evitar a taxação dos empresários.
Sendo o Capital das "Bets" uma das frações da burguesia diretamente interessada em não dividir seus lucros, por conseguinte, na sua lógica, busca a maximização do lucro. E os parlamentares, ao evitarem qualquer taxação, procuram afirmar que a expropriação de parte da mais-valia que a empresa extrai da sociedade, é um sinal de prejuízo para o capital. Por isso a "luta" se dá na esfera da superestrutura política, no Congresso Nacional, que estão na defesa da base econômica, para a acumulação de capital, que permaneça intocada.
Assim, para justificar a proteção aos interesses do capital, a superestrutura ideológica é acionada. E o debate público é inundado por argumentos que ocultam a luta de classes subjacente, entrando em cena todo o conjunto midiático.
Argumenta-se que uma taxação elevada poderia "inviabilizar o setor", "assustar investidores" ou "incentivar a informalidade". Esta é a ideologia liberal clássica, que apresenta o interesse particular do capitalista como se fosse o interesse de toda a sociedade, sustentando que o impacto se dará na "geração de empregos", "modernização" entre outros.
Além disso, a mídia hegemônica enquadra a questão como “uma disputa de poder entre o Executivo e o Legislativo”. Embora essa dimensão exista, ela serve para obscurecer a questão fundamental: de uma luta que está na necessidade de financiamento do que público contra a voracidade do lucro privado, com o apoio do Congresso atuando como principal fiador dos interesses capitalistas.
Por conseguinte, quando se argumentam que a própria legalização e expansão massiva das apostas são apresentadas como um avanço "moderno" e uma forma de "entretenimento", estão mascarando o impacto do potencial de endividamento e precarização da vida da classe trabalhadora, que é levada a buscar na sorte uma saída para a sua condição de vida material precária.
Assim, para massificar ainda mais a população de ideologias e falácias, a linguagem midiática se apresenta como alguns exemplo a seguir:
Na expressão "Congresso resiste" confere legitimidade e um ar de heroísmo à ação dos parlamentares, como se estivessem defendendo um princípio nobre, e não os lucros de um setor específico.
Na palavra "trava" o Congresso e Governo, posiciona a ação do Congresso como uma mera engrenagem do sistema de "freios e contrapesos", naturalizando o bloqueio de uma medida que visa taxar um lucro extraordinário.
No debate é enquadrado em termos de "compensação" e "orçamento", uma linguagem técnica que afasta o público em geral e oculta o cerne da questão: a disputa pela apropriação da riqueza socialmente produzida.
Portanto, só poderemos entender essa realidade a partir da contradição capital-trabalho, na gestão da crise de acumulação e no papel do Estado para a manutenção da ordem capitalista.
Por conseguinte, com este episódio, trata-se de um exemplo clássico da contradição fundamental do capitalismo: a socialização da produção e a apropriação privada da riqueza. E, com este exemplo, apresenta-se a atividade das "bets", que envolve milhões de pessoas (trabalhadores que apostam seu dinheiro), se beneficiando do lucro exorbitante, apropriado de forma privada por um pequeno número de capitalistas.
Enquanto o Estado, mesmo sob um governo de centro-esquerda, como o de Lula, é forçado a gerir essa contradição, que precisa garantir o lucro empresarial para manter a "confiança" do capital, mas também precisa de receita para garantir a mínima coesão social e a sua própria existência. E, nessa tentativa de taxar as "bets", busca mediar essa contradição. Em que pese o sucesso ou fracasso dessa medida, será um termômetro para medir a força relativa do capital financeiro sobre o gestor do Estado nesse momento histórico.
Daí que se considere que a "crise fiscal" não é um problema técnico, mas político, uma vez que a decisão sobre quem pagará a conta do Estado é central. De outro lado, a resistência de uma fração do Congresso, em taxar os superlucros das "bets", demonstra a determinação da burguesia em transferir o custo da crise para os trabalhadores.
Quando uma fração do capital (as "bets") consegue bloquear uma taxação, o custo recai, invariavelmente, sobre a classe trabalhadora. Isso ocorre de duas formas:
Nos cortes em Serviços Públicos: Se a compensação não vier, o "corte no Orçamento" afeta saúde, educação, infraestrutura e programas sociais.
Na Tributação sobre o Consumo: A alternativa histórica para cobrir rombos fiscais no Brasil é aumentar impostos indiretos, que pesam proporcionalmente mais sobre os mais pobres.
Com isso, mais uma vez afirma-se que o conflito não é "Governo verso Congresso", mas sim a necessidade de gestão geral do Estado capitalista (representada pelo governo Lula), contra os interesses imediatos e vorazes de uma fração específica do capital (representada no Congresso).
E que as linguagens ideológicas das mídias, em suas reportagens, mascaram as relações de poder. Isto posto, a forma como a notícia é enquadrada é um produto ideológico. Porque a mídia, como parte da superestrutura ideológica, tende a apresentar os conflitos de classe como disputas políticas entre iguais.
A solução, para o desfinanciamento dos serviços públicos, não virá de pactos de gabinete com os representantes dos empresários. Ela passa, necessariamente, pelo fortalecimento da organização e da pressão da classe trabalhadora para impor uma agenda tributária que inverta a lógica atual, qual seja, a de taxar pesadamente o grande capital, os lucros e as fortunas, para financiar as necessidades da maioria da população.
Pode-se dizer, das muitas reportagens que expõem as disputas dentro e através do aparelho de Estado, refletem, apenas, as contradições entre as diferentes frações da classe dominante e a necessidade de gerir a estabilidade do sistema como um todo.
E, conclui-se que, na análise crítica dessas reportagens, revela-se que o impasse sobre a taxação das "bets" estão longe de ser um mero desentendimento político ou um problema técnico-orçamentário; mas, trata-se da expressão, na esfera política, da luta de classes fundamental: a luta entre os interesses do capital em maximizar seus lucros e a necessidade do Estado de se financiar para garantir a reprodução do próprio sistema. Uma conta que, quando o capital vence, é invariavelmente transferida seus custos para a classe trabalhadora. E que elas, ao focar no drama político-institucional, estão cumprindo um papel ideológico de obscurecer essa realidade de opressão, exploração e miséria da classe trabalhadora.
*(Professor de Filosofia da Rede Pública do Paraná)
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